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sábado, 14 de setembro de 2013

DESENCONTRO Incio

DESENCONTRO
Patrícia Lake
Tânia preferia ver o diabo à sua frente a encarar Alex Jordan, o
homem cínico e cruel que a seduzira e só lhe dera uma noite de
prazer e mil dias de sofrimento! Depois de três anos de
separação, não iria permitir que Alex a tocasse novamente,
nem que visse a criança que ela tivera e criara sozinha, ainda
mais sabendo que ele tinha um caso com sua secretária! Mas
como poderia negar a seu filho o direito de conhecer o pai?
Como poderia fugir daquele homem viril e atraente, se ele lhe
oferecia a segurança de um casamento e a atormentava com
seus beijos e doces caricias?
Historia Em Onze Capítulos
DESENCONTRO
: "Fated Affair"
CAPÍTULO I
Tânia sentiu uma pontada no estômago assim que desceu do ônibus
superlotado. Consultando o relógio de pulso, notou que estava um
pouco adiantada e se perguntou se não teria sido melhor forçar-se a
comer alguma coisa antes de iniciar aquela curta viagem.
A cabeça lhe doía terrivelmente, tanto pelo nervosismo quanto pela
fome, e as tensões acumuladas nos últimos meses refletiam-se na
palidez de seu rosto. Tinha o pressentimento de que talvez aquela
fosse a última chance de resolver sua vida, garantindo um mínimo de
segurança para o seu futuro e o de Matty. Precisaria controlar-se para
não enfiar os pés pelas mãos durante a entrevista, como já acontecera
outras vezes. E essa responsabilidade lhe pesava como uma pedra
sobre a mente já sobrecarregada.
O dia estava quente, e um sol escaldante enchia de luz a estreita trilha
pela qual Tânia seguia cabisbaixa. Quase não percebia o aroma suave
das flores e do capim que impregnava o ar abafado, típico daquela
época do ano. Na paisagem tranqüila e silenciosa, a única evidência
eram os palacetes que proliferavam naquela rica zona rural com seus
altos e intimidantes. portões. Atrás de um deles escondia-se a mansão
do homem que poderia dar um rumo a sua vida, de forma definitiva.
Não demorou a localizar a casa. Bastante nervosa, tornou a verificar as
horas, enquanto ajeitava os fartos cabelos ruivos e alisava a saia do
discreto conjunto de seda creme. Felizmente, chegava ao lugar com
pontualidade britânica.



Respirando fundo, numa tentativa de acalmar-se, Tânia abriu os
pesados portões de ferro batido e entrou pela alameda que levava até
a entrada da imponente construção de pedra. A cada passo que dava
sentia, aumentar o desespero com que desejava garantir aquele
emprego. Tocou a campainha e aguardou, o coração batendo
acelerado.
Logo a porta se abriu, revelando a figura de um jovem muito alto, bemfeito
de corpo, que aparentava no máximo dezessete anos. Os olhos
azuis do rapaz a fitaram com uma expressão divertida.
— Alô! Você deve ser a srta. Montague — disse, num tom amistoso,
com um ligeiro sotaque americano. — Chegou em cima da hora, hein?
Leon vai gostar disso.
Tânia sorriu, sentindo-se descontraída pela maneira como fora
recebida.
— Sim, sou Tânia Montague, e tenho uma entrevista marcada com o sr.
Miller para as catorze horas.
— Meu nome é Jake, sou o filho de Leon. Vamos entrando — ordenou,
estendendo-lhe a mão num cumprimento simpático.
Aquela atitude informal ajudou-a a relaxar um pouco mais, enquanto
era conduzida até a luxuosa sala de estar.
— Aceita um cafezinho?
Tânia sacudiu a cabeça, recusando. A única coisa que desejava era
passar logo por aquela entrevista, e resolver de uma vez por todas o
assunto.
Demonstrando compreender seu estado* de espírito, o rapaz anunciou:
— Vou avisar papai da sua chegada. Enquanto isso, trate de se
acalmar, pois tenho certeza de que tudo vai dar certo.
Assim que se viu sozinha, Tânia olhou ao redor, admirando a decoração
luxuosa, mas ao mesmo tempo informal, do ambiente confortável.
— Leon vai recebê-la agora. Venha comigo até o escritório — disse
Jake, reaparecendo de súbito.
— Oh, sim, claro... e muito obrigada.
— Não precisa ficar nervosa, porque desconfio que o emprego já é seu.
Vamos!
Ela sorriu e o acompanhou, atravessando o piso de lajotas do grande
hall. Ah, se pudesse sentir a metade da segurança daquele rapaz!
Ao chegarem diante de uma porta de madeira, em forma de arco, Jake
bateu, anunciando-se, e uma voz grave e profunda mandou que
entrassem.
— Boa sorte! — sorriu Jake, animador. — Não se intimide com a
aparência dele. Parece uma fera, mas na verdade é um anjo.
A espaçosa biblioteca estava decorada com sobriedade, e revelava o
bom gosto do dono através de uma imensa coleção de quadros
renascentistas, espalhados pelas paredes pintadas de cinza-claro, os
móveis em estilo clássico eram de mogno, combinando perfeitamente
com as cortinas e os tapetes de cores discretas.
Um homem de aspecto circunspeto levantou-se de trás de uma
escrivaninha, adiantando-se para recebê-la com um aperto de mão,
enquanto a fitava de maneira avaliadora.
— Prazer em conhecê-la, srta. Montague. Sente-se, por favor. Aceita
um drinque?
— Não, obrigada. O prazer é todo meu — murmurou ela, acomodandose
numa confortável poltrona de couro.
Leon Miller tinha quase dois metros de altura, físico privilegiado,
cabelos lisos e escuros e um rosto de linhas severas, mas atraentes.
Aparentava cerca de quarenta anos e possuía um sorriso tão
espontâneo e charmoso quanto o do filho.
Apesar do ar de austeridade com que o homem a observava, os
temores de Tânia desapareceram, deixando no lugar uma simpatia
quase imediata pelo rico e influente magnata norte-americano que
jamais teria alcançado aquela posição de destaque se não fosse uma
pessoa dura e exigente.
— Devo confessar que a senhorita é bem mais jovem do que eu
imaginava. E, para ser honesto, procuro alguém com mais idade e
experiência. — A voz dele, com um sotaque sulino característico, tiroua
de seu devaneio.
— Asseguro-lhe, sr. Miller, que .posso ser tão eficiente quanto uma
mulher mais experiente.
O tom entusiasmado com que deu a resposta escondia a angústia que
lhe apertava o coração. Apesar de a entrevista mal ter começado, era
evidente que a resolução dele já havia sido tomada. Entretanto, Tânia
não podia se dar ao luxo de desistir sem ao menos tentar lutar.
— Sabe quais serão suas funções neste emprego?
Os olhos azuis a examinavam através de uma nuvem de fumaça
produzida pelo charuto que Leon havia acendido.
— Na Agência de Seleção de Pessoal, disseram-me que o senhor tem
três filhos, dos quais eu deveria cuidar, além de executar alguns
serviços domésticos, e...
— Na realidade, é um trabalho que exige muita paciência —
interrompeu ele, com firmeza.— Possui alguma experiência nesse tipo
de serviço?
— Bem, já lidei muito com crianças, e não vejo grandes dificuldades na
administração de uma casa — a afirmou, com uma autoconfiança que
estava longe de sentir. E, com um sorriso radiante nos lábios,
acrescentou: — Desde que o senhor me dê uma chance, tenho certeza
de que darei conta do recado.
Embora soubesse que podia parecer insistente e inoportuna, Tânia
precisava demais daquele emprego, e não queria deixá-lo escapar, só
porque Leon Miller a considerava jovem e inexperiente.
— Qual é sua idade, srta. Montague?
Os olhos azuis do empresário não se desviavam do seu rosto, curiosos
e inquisitivos. Por um instante, ela pensou em mentir, mas logo
desistiu.
— Vinte e dois — respondeu, calmamente. Quando, porém, o viu
erguer as sobrancelhas, completou, pressurosa: — Mas não acredito
que isso me desqualifique para o cargo. Ao contrário, pode até ser uma
vantagem no caso de eu precisar cuidar de crianças.
Sua respiração; tornou-se quase ofegante no momento em que ele
apagou com impaciência o charuto. Será que exagerara em sua
segurança a ponto de mostrar-se antipática ou convencida?
Encarou-o de modo inconscientemente suplicante, desejando com
todas as forças que lhe fosse dada uma oportunidade.
— Por que este emprego é tão importante para a senhorita?
Apesar de aquela ser uma pergunta de praxe, Leon Miller deu a
entender que estava muito interessado na resposta. Seu tom tinha
perdido a dureza, enquanto seus olhos se estreitavam, bastante
ansiosos.
— Como o senhor deve saber, não está nada fácil conseguir trabalho
hoje em dia.
— Gostaria que respondesse com objetividade, não com evasivas. Após
alguns segundos, indecisa entre revelar ou não a existência de
Matty, Tânia concluiu que se conseguisse o emprego, coisa muito
remota, levando-se em conta a maneira como Leon conduzia a
entrevista, precisaria contar-lhe sobre o menino. Caso contrário, se não
obtivesse a vaga, não teria nada á perder.
— A verdade, sr. Miller, é que tenho um filhinho, e preciso das
acomodações oferecidas pelo cargo.
— E seu marido? Por acaso é divorciada?
— Sou solteira — confessou, achando que já chegara o momento de
partir.
— Creio que seria bom contar-me um pouco mais a seu respeito
sugeriu ele, cordial, acendendo outro charuto.
— Minha vida é um verdadeiro drama! — Tânia o advertiu, com um
leve sorriso.
Surpreendia-a o fato de Leon parecer disposto a prosseguir com a
entrevista. A experiência lhe provara que bastava mencionar que era
mãe solteira para obter resultados catastróficos: humilhações, poucocaso
e até desprezo, por parte dos mais preconceituosos.
— Uma vez que sua história é longa, sugiro que tomemos um cafezinho
antes de você a contar.
Que coisa incrível! Leon Miller não só amenizara o tom de voz, como
agora retribuía o seu tímido sorriso. Será que a sorte finalmente
começava a lhe sorrir?
Em menos de cinco minutos Jake apareceu, equilibrando uma bandeja
numa das mãos. Ao depositá-la sobre a escrivaninha, sorriu
encorajador na direção de Tânia, fazendo menção de lhe falar algo. No
entanto, bastou um olhar severo do pai para que o rapaz se retirasse,
quieto como uma múmia.
— Parece que Jake simpatizou com você — comentou o sr. Miller,
deixando de lado a formalidade, enquanto lhe estendia uma xícara.
Tânia corou, sem saber o que dizer, e bebericou um gole de café,
esforçando-se para não se iludir com o inacreditável pressentimento de
que realmente teria uma chance. Muito nervosa, respondeu:
— Foi uma simpatia mútua.
— jake não se relaciona facilmente com as pessoas. Basta dizer que
até agora implicou com todas as outras candidatas que se
apresentaram.
Tânia limitou-se á sorrir, a cada segundo mais esperançosa de ser
admitida.
— Como se chama seu filho? — O sr. Miller quis saber.
— Matty — a informou, com uma indisfarçável expressão de orgulho
e afeto no rosto.
— E quantos anos ele tem?
— Quase três.
— Perdoe-me pela intromissão, mas o que aconteceu com o pai do
garoto?
— Ele nem sabe que a criança existe. E, para falar a verdade, é até
melhor que nunca descubra.
Mordeu o lábio, recusando-se a pensar em Alex, pelo menos naquele
momento em que precisava concentrar-se num único objetivo: garantir
aquele emprego.
— Sinto muito, se fui indelicado. Eu não quis aborrecê-la.
— Oh, não! Eu é que peço desculpas. Espero não ter sido rude. E que
prefiro não pensar no tempo que passei com... com o pai de Matty.
— Entendo. Onde você está morando agora? E quais foram os
empregos anteriores que lhe deram prática com crianças?
— É uma longa história...
— Sou todo ouvidos. Pode começar.
— Bem, trabalhei como secretária numa agência de propaganda, mas
fui obrigada a abandonar esse emprego e a devolver meu apartamento
quando Matty nasceu.
— E seus pais? Não poderiam tê-la amparado nessa fase difícil? —
perguntou Leon, visivelmente impressionado com a situação.
— Mamãe morreu quando eu tinha dezessete anos e ainda morava em
Londres. Passei a viver sozinha muito nova, pois papai casou-se pouco
tempo depois de ficar viúvo e mudou-se para a Nova Zelândia,
Sinceramente, creio que ele me considerava um estorvo. Nunca fomos
muito amigos, e, nos últimos tempos, não tenho sequer recebido
notícias dele, a não ser no Natal e nos aniversários.
O sr. Montague sempre fora um estranho para Tânia. Durante sua;
infância, raramente o via, pois ele passava longos períodos longe de
casa. Prestava serviços na Marinha Mercante, e nunca se dava ao
trabalho de telefonar ou escrever. Assim, apesar de consciente das
dificuldades que teria de enfrentar, arcando sozinha com as despesas
da casa, ela recusara os oferecimentos para que fosse morar com ele,
no país para onde emigrara com a nova esposa.
Além do mais, esses convites pareciam motivados apenas pelo
complexo de culpa e senso de dever, o que não lhe dava à mínima
garantia de que seria bem recebida. Por outro lado, estava satisfeita
com o apartamento que acabara de montar em Londres, seu trabalho
lhe agradava, tinha um divertido grupo de amigos e, principalmente,
conhecia Alex há pouco tempo...
Ah, não! Não permitiria de forma alguma que a imagem daquele rosto
enérgico e atraente, dos olhos cinzentos e da boca de Unhas sensuais
viessem perturbá-la justo naquele momento. Esforçando-se para
afastar as amargas recordações, Tânia continuou a falar, com um
pouco de dificuldade.
— Infelizmente, uma das cláusulas do meu contrato de locação proibia
crianças e animais domésticos no apartamento. Era impossível
esconder minha gravidez," mas, graças a Deus, a tia de uma amiga
minha, que vivia na França, precisava de uma babá para os filhos, e
essa foi; minha função durante os últimos dois anos. Só que agora o
casal está; se divorciando. A mulher vai se mudar para uma casa
menor e ela própria cuidará das crianças, já que não dispõe mais nem
de acomodações, nem de dinheiro para continuar comigo. Dessa
forma, fiquei desempregada, e estou morando provisoriamente com
uma amiga. Mas o apartamento dela é muito pequeno, e eu me sinto
péssima, causando tanto transtorno.
Fez uma pausa e deu um sorriso triste.
— Até parece um daqueles dramalhões de Dickens! Também, se me;
aceitar, o senhor não poderá se queixar de que não o preveni.
Entretanto, ela ocultara a pior época de sua vida: aqueles meses
durante a gravidez, em que perdera Alex para sempre e ficara sem
teto, empregada e quase na penúria. Só de lembrar-se, estremeceu.
Na verdade, não foi tão mau assim — mentiu, sorrindo, embaraçada. —
Pelo menos, aprendi a sobreviver sozinha, com meu próprio esforço.
— Tenho certeza de que você está amenizando o quadro, e admiro-a
pela sua coragem e força de vontade.
— Agora que conhece todo o meu drama, sr. Miller, poderia me dizer se
ainda tenho chance de obter esse emprego? — perguntou de modo
brusco, admirando-se com a própria ousadia,
Contara-lhe mais do que devia. Nunca antes se abrira tanto com um
estranho. Sendo mãe solteira, com uma criança pequena no colo,
aprendera a resguardar sua privacidade, pois sempre havia gente
pronta a condená-la sem conhecer os fatos. E no entanto, com Leon
Miller, em apenas meia hora de conversa, desvendara praticamente
toda a história de sua vida. Alguma coisa naquele homem inspirava-lhe
confiança instintiva e a induzia a fazer confidencias. Mesmo assim,
sentia-se um tanto temerosa e encabulada. Afinal, era a primeira vez
que lhe acontecia aquilo durante uma entrevista.
"Talvez eu esteja mais desesperada do que imagino", refletiu, com um
suspiro, "Preciso tanto deste emprego, que fiz um quadro tenebroso de
minha vida, esperando que ele sentisse pena de mim.
Leon Miller, soltando baforadas do charuto, observava-a com os olhos
semicerrados. De repente, ele sorriu e anunciou sua decisão:
— O emprego é seu, srta. Montague. Vamos começar com Um período
de três meses de experiência. Se tudo der certo, será contratada em
caráter definitivo.
Tânia o encarou boquiaberta, mal acreditando nos próprios ouvidos.
— Verdade?
— Claro!
— O senhor me aceitou por que ficou penalizado? Bem... o que contei
sobre minha vida...
— Não precisa se justificar! Estou lhe oferecendo o emprego porque a
considero apta a assumir o cargo. Além disso, fiquei impressionado
com sua sinceridade, gostei de você, meu filho idem, e preciso de
alguém com urgência. Entendido?
— Entendido! — sorriu Tânia, enquanto controlava o desejo de pular do
sofá e pendurar-se no pescoço dele.
Sua euforia era tanta, que ela precisou fazer um esforço para
concentrar-se novamente nas palavras dele.
O salário pareceu-lhe astronômico, e naturalmente ela aceitou sem
titubear.
— Você terá suas próprias acomodações, mas viverá em contato
permanente com a família. Jake, a quem já conheceu, é meu filho mais
velho. Depois vem Belle, de dez anos, e Vinnie, de seis. A cozinha e os
serviços mais pesados estão a cargo da sra. Rodale. Os negócios me
obrigam a viajar com freqüência, e essa é a razão primordial por que
necessito de alguém que olhe as crianças...
Nesse exato momento, ouviram uns estalidos, vindos da porta do
escritório.
— Jake, pode entrar! — disse o sr. Miller, com voz de quem reprime
uma risada,
A porta se abriu de mansinho e o rapaz apareceu, sorridente.
— Como você estava escutando nossa conversa atrás da porta, é,
óbvio que não preciso mais lhe contar as boas novas — comentou Leon
para o filho, que não tirava os olhos de Tânia.
—Então, você foi contratada?
— Sim, o emprego é meu.
— Que legal! E quando começa?
Ela dirigiu um olhar interrogativo para Leon Miller, que se apressou a
informar:
— O mais cedo possível. Neste final de semana, está bem para você?
Como tinha poucas coisas para empacotar e colocar nas malas, Tânia
concordou sem hesitar:
— Por mim, está ótimo.
— Combinado, então. Ah, ainda não lhe perguntei qual é o seu primeiro
nome. Não pretendo continuar a chamá-la de srta. Montague.
— Tânia.
— Bonito nome! Você pode me chamar de Leon. Aqui não somos dados
a formalidades.
A hora seguinte passou-se rapidamente. Tânia foi apresentada à sra.
Rodale, uma mulher magra, de olhar bondoso, que conversou muito
com ela enquanto tomavam um cafezinho, antes de mostrar-lhe a
mansão luxuosa.
Os aposentos que lhe foram destinados eram claros e arejados, com
espaço mais do que suficiente para ela e Matty.
Não chegou a conhecer Vinnie, que estava passando o dia na casa de
um amiguinho, nem Belle, que tinha ido à aula de bale.
Ao saber por Jake que Tânia viera de ônibus, Leon fez questão de levála
de volta de carro, prometendo ainda mandar buscá-la no dia da
mudança.
Acomodada no banco da frente do sofisticado automóvel, ela vibrava
de felicidade. Os acontecimentos daquela tarde mais pareciam um
sonho, do qual temia acordar a qualquer instante. Mas a entrevista fora
real, o emprego era dela, e Matty teria seu futuro garantido!
Kate a aguardava na porta do apartamento, e, assim que a viu chegar,
foi direto ao assunto.
— E então? Era Leon Miller quem estava naquele carrão que a trouxe?
O que aconteceu? Como é ele?
Tânia chegou a rir, diante daquela avalancha de perguntas, e esperou
que a amiga fizesse uma pausa para tomar fôlego.
— Sim, aquele era Leon Miller, e eu consegui o emprego. Começo no
final da semana.
— Que ótimo!
Abraçando-se carinhosamente, entraram saltitantes no apartamento,
onde Matty, sentado mo chão, brincava com um trenzinho de plástico.
Quando viu a mãe, um sorrisinho meigo surgiu em sua boquinha
rosada, e ele só voltou a concentrar-se no brinquedo depois que ela o
beijou na face rechonchuda.
Um pouco mais tarde, sentada numa mesa perto da janela, Tânia
relaxou totalmente. Acomodada à sua frente, Kate acendeu um cigarro
e exigiu que ela contasse a entrevista em seus mínimos detalhes.
— A casa é uma beleza. De início, eu estava convencida de que não
conseguiria a vaga, pois Leon queria alguém mais velha. Então, como
achei que não teria mesmo chance, acabei contando tudo sobre Matty.
Surpreendentemente, a partir daí as coisas começaram a correr às mil
maravilhas! Nem dá para acreditar!
Kate sorriu, e seus cabelos negros encaracolados reluziram à luz do sol.
— Fico tão feliz, Tânia! Confesso que estava muito preocupada nestes
últimos dias. Você andava pálida, abatida, tensa... Mas agora tudo vai
melhorar!
— Oh, Kate, você tem me ajudado tanto! Não sei como lhe agradecer.
Eram amigas desde o tempo de escola, ambas com a mesma idade.
Kate, alta e esbelta, possuía uma personalidade marcante. Casara-se
muito cedo, e agora vivia separada do marido. Recentemente, abrira
mão de um emprego fixo, para escrever um livro. Oferecera-lhe
hospedagem pelo tempo que fosse necessário, e como trabalhava em
casa também tomava conta de Matty enquanto Tânia procurava uma
colocação.
Mas o apartamento era minúsculo, e Kate precisava de paz e
tranqüilidade para escrever. Por isso, Tânia sentira-se imensamente
grata pela solidariedade da amiga, mas a única maneira de lhe pagar
por tanta compreensão e bondade seria mudando-se dali. Essa fora
uma das razões por que se desesperara tanto para arrumar logo um
emprego.
— Já sei o que vamos fazer — disse Kate, de repente. — Vamos
comemorar, jantando fora hoje à noite. Mamãe poderá tomar conta de
Matty, e você precisa espairecer um pouco. Faz séculos que não sai de
casa para se distrair, e esta é a ocasião para fazê-lo.
Tânia concordou com entusiasmo. Realmente, há semanas não se
divertia um pouco, preocupada não só em conseguir um emprego,
como também em economizar o dinheiro que lhe restava.
— Aceito, mas sob uma condição: eu ofereço o jantar. É uma pequena
retribuição a tudo o que você tem feito por mim.
E foi o que aconteceu, ou quase. Com Matty já na cama, sob os
cuidados 4da mãe de Kate, uma enfermeira aposentada, ela e a amiga
foram a um restaurante sofisticado, próximo ao Parlamento.
Antes de se sentarem à mesa, tomaram uns aperitivos no bar, e Tânia
aproveitou para narrar, com mais minúcias, aquela inesquecível
entrevista da tarde.
— Você teve sorte — comentou Kate. — Esse Leon Miller me parece um
bom sujeito.
— E é também bonitão. Fiquei até curiosa com o que teria acontecido
com a esposa dele.
— Você não lê jornais? Saiu tudo nas colunas sociais, há umas duas
semanas.
— Tudo o quê?
— Alicia Miller... Esse nome não lhe lembra nada?
— Aquela famosa manequim? Ela é que é a esposa de Leon Miller?
— A própria! Parece que ela agora está em Roma, com um jovem
cantor de sucesso. Foi um escândalo incrível!
— Eu não tinha ligado o nome à pessoa... Nem me passou pela cabeça.
Coitadas daquelas crianças, tendo que conviver com uma situação
dessas!
— Até que eles têm bastante sorte em ter você por perto —disse Kate,
gentilmente.
Tânia sorriu diante do elogio, embora estivesse preocupada com a
recente descoberta a respeito da vida do seu futuro patrão.
Acompanhara de longe o noticiário sobre o caso, mas vira fotos de
Alicia em revistas semanais. Modelo internacional muito requisitada no
eixo Nova Iorque—Londres—Paris, a ex-esposa de Leon.possuía uma
beleza estonteante e modos extremamente sofisticados, que de
alguma forma não combinavam com a família Miller que ela conhecera
naquela tarde. Era bem verdade que a mansão se comparava aos mais
requintados palacetes londrinos. Entretanto, a julgar por Jake, pelo
próprio Leon, ou mesmo pelos empregados da casa, reinava ali a
simplicidade, sem nada que revelasse ostentação. Como, então,
conciliar a extravagância da modelo com a figura de dona-de-casa,
cuidando dos filhos? "Ah, pobres crianças!, E coitado do Leon", pensou
Tânia, tristonha.
Após tomarem os drinques, um maítre muito atencioso as conduziu até
uma mesa, apresentando-lhes um cardápio encadernado em couro
bordo.
Durante o jantar, conversaram sobre o livro de Kate e os planos futuros
de Tânia. A comida estava deliciosa, e o serviço, impecável.
Na hora do cafezinho, estavam rindo devido a algum comentário,
quando Tânia viu um homem alto a quem o garçom indicava a mesa
vizinha. Ao perceber de quem se tratava, ela gelou até os ossos. O
recém-chegado era nada mais nada menos que Alex Jordan, o pai de
Matty, o único homem a quem amara na vida, e o único a quem odiava
também!
Seu coração se acelerou, enquanto os dedos nervosos quase deixavam
cair a xícara de porcelana chinesa de café. Os risos morreram de
repente. Há três anos que não o via e nem desejava vê-lo. E agora ele
tinha se sentado a poucos metros de distância.
Estava sozinho, apesar de a mesa ter sido preparada para três
pessoas. Não mudara quase nada. Seu rosto era o mesmo, os cabelos
continuavam escuros, e os olhos cinzentos ainda tinham o poder de
fazer ressuscitar a antiga paixão.
Ainda muito aturdida, Tânia recolocou a xícara no pires, sem conseguir
desgrudar os olhos de Alex, a perfeita reprodução de Matty. Por que ele
tinha de reaparecer logo agora?
Como que por encanto, toda a alegria por ter conseguido o emprego e
saído com a amiga para a noitada de lazer desapareceu, dando lugar
ao ressentimento e à amargura em seu coração.
Seus olhares se encontraram, mas logo se desviaram, como se eles
fossem desconhecidos.
— Tânia, o que aconteceu? — perguntou Kate, ao vê-la pálida como um
cadáver.— Você está se sentindo bem?
Ela apenas balançou a cabeça, enquanto seus olhos lacrimosos
registravam uma mulher aproximando-se da mesa de Alex. Assim que
ele a viu, levantou-se e a beijou numa das mãos. Era uma senhora de
cabelos grisalhos, vestida elegantemente. Se Tânia não estivesse tão
aturdida, teria curiosidade de saber quem era aquela dama.
— Eu... eu quero ir embora.
— Por quê?
— Alex Jordan — resumiu ela.
— O quê? Ele está aqui?
— Sentado bem atrás de você. Sinto muito, Kate, mas não posso ficar
nem um minuto a mais aqui.
— Espere, Tânia, eu vou com você — disse a amiga, levantando-se e
abrindo a bolsa, enquanto olhava de soslaio para a figura sentada à
mesa vizinha.
Tânia já tomara o rumo da saída, sentindo que um olhar a
acompanhava. Kate pagou a conta e encarregou-se de ir buscar os
agasalhos com a chapeleira, providenciando também um táxi.
Ao entrarem no carro, ofereceu um cigarro a Tânia, que o aceitou, com
mãos trêmulas.
— Você está bem? — perguntou, preocupada.
— Estou. É que fiquei chocada, só isso. Sabe, depois de tanto tempo...
Mas eu não devia ter fugido do restaurante. Fui uma idiota, estraguei
tudo. Sinto muito, Kate.
— Não precisa se desculpar. Afinal, já tínhamos terminado de comer.
Tânia nunca contara à amiga a história completa de seu romance com
Alex, por considerá-la muito dolorosa e pessoal. Kate só sabia que ele
era o pai de Matty, algo bastante óbvio para quem conhecesse os dois,
e que o caso havia terminado há muito tempo, embora não tivesse
idéia dos detalhes, nem das razões.
— Kate, eu não gostaria que Alex soubesse de nada a respeito de
Matty. Prometa-me que nunca lhe dirá nada.
— Você está dizendo que ele não sabe que tem um filho?
— Não sabe, e não quero que saiba!
— Você não acha que...
— Alex perdeu os direitos sobre Matty, mesmo antes de ele nascer. E
nunca deverá descobrir que é o pai do menino!
— De minha parte, pode ficar tranqüila.
Ao chegarem no apartamento, Tânia estava arrasada. Só teve um
pouco de energia para dar uma olhada em Matty antes de cair na
cama, exausta, e apagar a luz do abajur, tendo à sua frente a imagem
perturbadora de Alex Jordan.


 CAPITULO II
Tânia começou a empacotar suas coisas e as de Matty, sem desviar o
pensamento de Alex Jordan. Tê-lo visto na noite anterior havia
provocado nela um redemoinho de recordações que acreditava já
estarem mortas e sepultadas.
No intervalo de descanso, entre um cafezinho e um cigarro, postou-se
ao lado do filho, que brincava a um canto, imaginando como seria bom
para ele ter a companhia de outras crianças, além de muito espaço
para correr,
Do quarto, chegava até seus ouvidos o barulho da máquina de
escrever de Kate, para quem sua mudança também seria a solução
mais conveniente, permitindo-lhe trabalhar em paz dali por diante.
Enfim, Tânia tinha tudo para se sentir feliz. No entanto, uma sensação
de cansaço e tristeza oprimia-lhe o coração.
No final da tarde, notando que Matty precisava de um pouco de ar puro
e exercício, levou-o ao parque, onde, após uma boa caminhada,
deixaram-se cair sentados no chão, observando um outro garotinho
que jogava bola com um senhor muito risonho.
— Aquele menino tem papai — comentou Matty, fazendo beicinho.
— Sim, meu querido.
— Por que eu não tenho um papai? Terry e Paul também têm um?
Tânia sentiu-se sobre espinhos. O que diria ao filho, que esperava
por uma resposta com uma expressão ansiosa no olhar?
— Nem todas as crianças têm pai — disse, por fim.
A explicação por demais evasiva não o satisfez, o que se evidenciou
através de sua expressão de desagrado. Percebendo-lhe a intenção de
fazer mais perguntas, Tânia distraiu-o, oferecendo-lhe um picolé.
Reconhecia ser um truque condenável, mas Matty era muito criança
para entender que o pai sequer sabia de sua existência. À medida que
crescesse, aquele tipo de pergunta apareceria com maior freqüência,
até chegar a hora em que precisaria contar-lhe tudo. Embora tentasse
afastar esse dilema de sua mente, a dúvida sobre qual seria a atitude
do filho quando soubesse a verdade atormentava-a profundamente.
O fato de ter visto Alex na véspera podia ser uma simples coincidência,
o que não significava que o reencontrara, ainda que seu sexto sentido
a alertasse de que aquele homem poderia voltar a atormentá-la.
Lembrava-se, nos mínimos detalhes, do dia em que, sentada à sua
escrivaninha, vira-o chegar pela primeira vez para uma entrevista com
Mark Fitzgerald. Não era segredo para ninguém que Alex Jordan havia
se tornando um dos maiores clientes da agência de propaganda, o que
deixava Mark exultante.
Tânia, ocupada em colocar o papel na máquina de escrever, só
percebera a entrada dele quando a batida da porta arrancou-a de sua
concentração. Reconheceu-o de imediato, porém não estava nem um
pouco preparada para o impacto que aqueles olhos cinzentos lhe
causaram.
— Alô! Mark está? — perguntara ele, dirigindo-lhe um olhar de
admiração.
De repente, sem voz, Tânia pigarreou duas vezes antes de informar
roucamente:
— Ele não se encontra na sala, sr. Jordan, mas deve voltar a qualquer
instante.
— Eu espero.
— Fique à vontade — disse ela, indicando-lhe a poltrona para que se
sentasse.
Observou-o de soslaio, enquanto ele se acomodava confortavelmente
na poltrona de couro, localizada em frente à sua escrivaninha. De porte
atlético, ele era bem mais alto do que a maioria dos homens, e vestia
um terno bem talhado, que não escondia a rigidez de sua musculatura.
Tânia tentou concentrar-se no trabalho, mas" foi impossível.
Recomeçando a bater a máquina, cometeu mais erros do que uma
principiante, enquanto seu coração descompassado parecia querer
sair-lhe pela boca.
— Importa-se se eu fumar?
A pergunta causou-lhe tal sobressalto que ela demorou alguns
instantes para conseguir responder.
— Em absoluto! Aceita um cafezinho?
— Não, obrigado.
Como que hipnotizada, Tânia o viu levar a cigarrilha à boca. As mãos
eram morenas, de dedos longos e fortes, o queixo quadrado, com uma
covinha que lhe dava um charme todo especial, incrivelmente sedutor,
aquele homem emanava masculinidade por todos os poros.
Quando seus olhares se encontraram, havia um misto de curiosidade e
encantamento na expressão dele, que a obrigou a baixar a cabeça,
encabulada.
Nunca homem algum lhe causara tanta perturbação, e ela se
recriminou intimamente, considerando-se uma tola por estar agindo de
modo tão inseguro.
Naturalmente, Tânia sabia tudo sobre ele, como aliás todos os
funcionários da agência. Alex Jordan era dono de um imenso
conglomerado de empresas, espalhadas por vários países. Comentavase
que ele se fizera por si só, mostrando-se exigente ao extremo em
questões de trabalho. Bonito e bem-sucedido, não faltavam mulheres
dispostas a tudo para conquistá-lo. E agora, vendo-o frente a frente,
compreendia bem as razões de sua fama.
— Qual é o seu nome? — perguntou ele, de repente.
— Tânia Montague — respondeu ela, voltando o olhar em sua direção.
Alex Jordan levantou-se vagarosamente da poltrona, vindo sentar-se na
beirada da escrivaninha. Confusa, Tânia baixou a cabeça, na tentativa
de esconder seu embaraço.
— Você é muito bonita, Tânia Montague. Sabia disso?
— Só sei que o senhor pretende caçoar de mim — retrucou ela, muito
corada.
Ele balançou a cabeça, e seus olhos pareceram ainda mais claros e
luminosos, em contraste com os cabelos negros.
— Por que eu faria uma coisa dessas?
— Pelo simples motivo de não ter com que se ocupar, enquanto
aguarda o sr. Mark.
Para aumentar o seu embaraço, Alex tocou-lhe o queixo com a ponta
dos dedos, de forma insinuante, enquanto dizia:
— Acredite em mim: você é linda! Aceita jantar comigo hoje à noite?
Tânia arregalou os olhos, certa de que havia entendido mal. Alex
Jordan, convidando-a para jantar?
— Você tem algum outro compromisso? — perguntou ele, diante do
seu silêncio.
— Não... não. Mas por que está me convidando, logo a mim? Nem bem
acabara de falar, arrependeu-se do que dissera. Na melhor
das hipóteses ele a consideraria uma garota tola e infantil.
— Eu gostaria de passar alguns momentos a seu lado.
— Não compreendo... O senhor poderia chamar qualquer outra pessoa
Santo Deus! Estava se comportando como uma perfeita idiota!
— No entanto, quero convidar você — sublinhou ele, ligeiramente
zombeteiro.
Tânia fitou-o, estupefata. Queria aceitar, claro que sim! Sorriu,
subitamente radiante, sem notar que Alex admirava: a beleza daquele
sorriso...
— Então, vou aceitar o seu convite.
Depois de tudo combinado, Alex permaneceu um bom tempo
conversando com ela de maneira informal, relaxando-lhe a tensão e
fazendo-a rir, até que Mark voltasse de uma reunião, desculpando-se
pelo atraso.
Ambos desapareceram dentro da sala do chefe, e Tânia ficou sozinha,
radiante de felicidade. Só agora via como fora ingênua aceitando
aquele convite, em vez de fugir em disparada daqueles elogios à sua
beleza. Mesmo aos dezoito anos era imperdoável que tivesse sido tão
confiante. Como podia ter acreditado que um homem com o status
social de Alex Jordan iria interessar-se seriamente por uma simples
secretária?
Enxugou o suor do rosto com um lenço que tirara da bolsa, e voltou a
prestar atenção em Matty, que já terminara o sorvete e demonstrava
cansaço.
Voltou ao apartamento tão deprimida como quando saíra, encontrando
Kate ocupada com o jantar. Depois de dar banho em Matty e alimentálo
com uma sopinha de legumes, colocou-o na cama e foi ajudar a
amiga a pôr a mesa.
Atribuiu o fato de Kate estar muito quieta e preocupada a algum
problema com o livro. Só percebeu seu engano na hora do cafezinho,
quando ela informou:
— Alex Jordan telefonou, enquanto você passeava no parque com
Matty.
Tânia depositou a xícara sobre a mesa, sentindo um súbito mal-estar.
— Ele queria falar comigo?
— E com quem mais?
— Como foi que ele descobriu que eu moro aqui? Após três anos,
encontrara-o pela primeira vez na noite anterior, e ele já começava a
persegui-la!
— Não faço a menor idéia.
Vendo que a amiga apenas dava de ombros, sem dar muita
importância ao fato, ficou ainda mais apreensiva. Quase em pânico,
perguntou:
— O que você disse a ele?
— Contei que você tinha saído e me ofereci para lhe transmitir
qualquer recado. Então ele avisou que ligaria mais tarde.
Tânia segurou a cabeça entre as mãos, buscando um único motivo que
justificasse o desejo de Alex querer falar com ela. Afinal, ele havia
deixado bem claro que tudo estava acabado entre eles. A menos que
soubesse de alguma coisa sobre Matty...
— Você... você não mencionou Matty?
— Claro que não! Prometi, não se lembra? — disse Kate, servindo o
café para ambas.
— Não imagino quais sejam as intenções dele. Não temos
absolutamente nada para conversar. Você me faz um favor, Kate? Caso
ele insista em me procurar, diga-lhe que me mudei, mas não lhe dê o
endereço de Leon Miller!
— Está bem — concordou Kate, com calma, e depois de uma pausa
acrescentou: — Olhe aqui, Tânia, apesar de isso não ser da minha
consta, ontem à noite você ficou muito transtornada. É mesmo verdade
que Alex nada sabe a respeito do filho?
— Sim, nosso namoro acabou antes de eu ter a chance de lhe contar
sobre a minha gravidez. De qualquer forma, Alex não iria mesmo
assumir, porque nesse ínterim descobri algumas coisas sobre ele...
Bem, digamos que eu não podia mais confiar nele. Também não
desejava vê-lo de novo. Portanto, ele não tem direitos sobre a criança,
e nem poderá reclamá-la, a essa altura dos acontecimentos. Quando
Matty for maior, explicarei tudo a ele, e não farei objeções caso queira
conhecer o pai. Mas por enquanto tenho medo de que Alex use sua
influência para tirá-lo de mim. Isso eu não suportaria. — Os olhos dela
se encheram de lágrimas. — Tenho consciência de que Matty precisa
de um pai, e nem sei se estou agindo bem. No entanto, quero evitar
Alex. Dá para entender?
— Acho que sim. Sinto muito por ter interferido. Mas prometo, mais
uma vez, que nunca direi nada sobre Matty.
— Obrigada.
O telefone tocou algumas horas mais tarde, enquanto elas viam
televisão na sala. Sentada próxima do aparelho, Tânia estendeu a mão
automaticamente para atender. Mas parou em tempo, o coração
acelerado, passando o fone para Kate. Sentia-se ridícula por não
conseguir conversar com ele, nem mesmo ao telefone!
— Não, sinto muito. Tânia não está — informou Kate, impassível —
Alex...
Sacudindo os ombros, ela recolocou o fone no gancho, explicando:
— Ele desligou, mas tenho certeza de que percebeu que eu mentia.
Tânia acendeu um cigarro com mãos- trêmulas e perguntou,
disfarçando:
— Ele parecia zangado?
— Furioso seria o termo exato. Por quê?
— Não consigo entender o interesse dele em falar comigo.
— Eu também não. Só sei que Alex é um homem decidido, e se quer
vê-la vai conseguir, de uma forma ou de outra.
— O pior é que sou da mesma opinião.
Alex era realmente um homem determinado, forte e influente, que
sempre obtinha o que desejava. Sempre! Mas Tânia precisava de um
pouco mais de tempo para se preparar para enfrentá-lo. Três anos
pareciam uma eternidade, mas não o suficiente para afastar o perigo
de ver-se outra vez envolvida pelo seu charme indiscutível. Além disso,
precisava pensar em Matty. Alex não podia descobrir a verdade sobre o
menino, não podia!
Decidiu deitar-se mais cedo, disposta a relaxar. Infelizmente, porém,
seus esforços foram inúteis, e a manhã veio, encontrando-a pálida,
com olheiras profundas e irritada por não ter conseguido dormir.
Notando-lhe instintivamente o estado de espírito, Matty recusou o
desjejum e emburrou-sé num canto durante muito tempo. Ao meio-dia,
Tânia estava a ponto de estourar.
Kate chegou em casa uma hora depois, e só de olhá-la percebeu o
drama, oferecendo-se para tomar conta do menino.
— Pode deixar que eu cuido dele na parte da tarde. Por que não sai um
pouco? Vá dar um passeio para espairecer.
— Acho que é isso mesmo que vou fazer. Você é uma amigona!
Depois de se trocar, vestindo jeans e uma camiseta sem mangas, Tânia
seguiu em direção ao parque, em busca de um pouco de paz e
tranqüilidade. Absorta em seus problemas, não notou o luxuoso carro
preto que estacionava a alguns metros à sua frente, nem o homem que
dele saía, impedindo-lhe a passagem.
— Alô, Tânia — Alex Jordan a cumprimentou, os olhos cinzentos
examinando-a dos pés à cabeça. — Finalmente nos encontramos!
Sem pronunciar uma única, palavra, Tânia observou-lhe a expressão
severa, que revelava o quanto Alex se zangara por Kate ter mentido ao
telefone.
— Como é? Não tem nada a me dizer? — perguntou ele, sarcástico. —O
que o senhor deseja ouvir?
Refugiar-se na ironia era a única maneira de disfarçar sua perturbação.
Mas o melhor mesmo seria tratar de escapar logo dali. Enquanto ela
olhava ao redor, pensando em sair correndo pelo gramado, Alex
percebeu sua intenção e sorriu de leve.
— Você não vai a parte alguma enquanto não conversarmos como
gente civilizada.
— Conversarmos? Que tipo de conversa você quer ter comigo?
— Três anos de separação é tempo demais, Tânia. Creio que temos
muito a falar, e o passado seria um bom começo.
— Não sei como se atreve, seu...
Ela reprimiu as palavras ofensivas que tinha na ponta da língua, não
porque guardasse qualquer consideração por aquele homem cínico e
arrogante, que apesar dos pesares tinha a capacidade de afetá-la.
Temia, isto sim, enfurecer-se a ponto de lhe atirar na cara tudo o que
ele lhe fizera, revelando então a existência do filho.
— Não brinque comigo! Veja como fala, que não sou de agüentar
desaforo!
— Deixe-me em paz! — gritou ela, fazendo menção de correr, mas foi
agarrada pelo braço. — Largue-me!
— Pelo amor de Deus, Tânia, não seja tão infantil! Não tenho a mínima
intenção de seqüestrá-la.
— Então por que não me deixa ir embora? O que você quer?
— Bem, quero convidá-la para almoçar — disse ele, surpreendendo-a.
— Você está brincando!
— Palavra que não estou!
Nesse momento ele aumentou a pressão sobre o braço dela, fazendo-a
gritar, indiferente aos olhares curiosos dos transeuntes.
— Tire as mãos de mim! Eu não almoçaria em sua companhia nem que
você fosse o último homem na face da Terra!
— Nunca pensei que você fosse apenas uma criança malcriada!
O tom zombeteiro de Alex deixava-a furiosa, e, como se sentia
impotente para revidar à altura, Tânia começou a chorar.
— E como esperava que eu agisse depois de ter sido usada como um
objeto descartável? Primeiro você arruína minha vida, e agora quer que
eu aceite seus convites, como se nada tivesse acontecido!
— Sobre o que você está falando? Explique-me, por favor, o motivo de
tanto ressentimento.
Tânia mordeu a língua, preocupada. Precisava pesar cada palavra e
controlar suas emoções, senão fatalmente deixaria escapar a acusação
que envolvia Matty. Qualquer deslize seria facilmente bem interpretado
por Alex, que não a pouparia de arcar com todas as conseqüências de
seu silêncio.
— Não estou querendo dizer nada! Alex, por favor, deixe-me ir. Você
sabe que não temos mais nada para conversar.
— Ao contrário, temos muito o que falar! A escolha é sua: ou almoça
comigo, ou a levarei de carro até seu apartamento, pois não acredito
que Kate seja tão pouco hospitaleira a ponto de não nos deixar a sós
para discutirmos nossos problemas.
Ele parecia determinado, e a idéia de voltarem juntos para o
apartamento dela estava fora de cogitação: não teria como esconder
Matty.
— Tudo bem. Aceito seu convite para almoçarmos.
— Antes a morte do que morrer! —caçoou ele, conduzindo-a até o
luxuoso automóvel.
— Só que eu preciso estar de volta às três — advertiu ela, retraindo-se
a um canto do assento.
— Como queira.
Dez minutos depois sentavam-se à mesa de um restaurante muito
chique, considerado um dos mais requintados daquele bairro.
— Não estou vestida de acordo para este ambiente — disse ela,
constrangida.
— O que você prefere tomar como aperitivo? — perguntou Alex, sem
levar em consideração o comentário dela.
— Gim-tônica, por favor — respondeu, num fio de voz.
Como não estivesse com um pingo de fome, ela pediu apenas uma
salada. Um garçom muito atencioso anotou os pedidos, dirigindo-se a
Alex pelo nome. Era óbvio que ele devia ser um freqüentador assíduo
do lugar.
— Você emagreceu — observou Alex, depois de fitá-la durante algum
tempo.
— Um pouco.
— Mas continua linda. Agora me parece mais frágil e vulnerável.
— Para seu governo, não sou nem uma coisa nem outra!
— Seu cabelo está mais curto — continuou ele, sem se abalar. —
Lembro-me de quando você o usava até a cintura.
— Alex, por favor — censurou ela, enrubescendo.
— Sinto muito se a constrangi.
Surpreendida e confusa com aquele delicado pedido de desculpas,
Tânia engoliu o gim-tônica como se fosse água, na esperança de que a
bebida lhe relaxasse os nervos.
— Já que estamos aqui, seria bom você me explicar o motivo de seus
telefonemas e de sua insistência para que eu viesse almoçar em sua
companhia.
Alex acendeu uma cigarrilha, as mãos movimentando-se com
elegância. Depois de uma longa tragada, ele soltou a fumaça
lentamente e respondeu com voz calma:
— Fiquei intrigado com a maneira como você fugiu daquele restaurante
na noite passada.
— Eu não fugi!
Projeto Revisoras 24
— Oh, sim, fugiu, como o diabo foge da cruz!
— Não sou obrigada a lhe dar satisfação dos meus atos!
— Claro que não. Acho que nunca lhe pedi isso; mas não minta para
você mesma.
Tânia levou o copo aos lábios, aborrecida com o fato de sua mão
tremer visivelmente. Fora mesmo uma tolice sair correndo daquele
restaurante. Deveria ter previsto a reação dele.
— Não entendo por que o intrigou tanto a minha saída intempestiva ...
— Não mesmo? Quanto mais uma mulher foge, mais estimula o
homem a desejá-la.
— E o que sabe sobre mulheres que fogem de você? A grande maioria
se joga a seus pés!
— Você não está incluída nela. Acredito mesmo que sente medo de
mim. E eu gostaria de descobrir o porquê.
Ela ficou alarmada ante a possibilidade de Alex levar adiante alguma
idéia de segui-la. O que ele estaria imaginando? Perspicaz como era,
na certa algo muito próximo à verdade.
Ele parecia ler seus pensamentos, como se estivesse diante de um
livro aberto, enquanto ela nunca sabia o que se passava por trás
daqueles falsos olhos. Isso lhe dava uma terrível sensação de
insegurança. — Não sinto nem um pouco de medo de você — afirmou,
contradizendo seus sentimentos. — É muito convencimento de sua
parte!
Ignorando-lhe o ar zombeteiro, ela fingiu estar muito interessada na
salada que lhe foi servida. Não queria falar, pois só complicava as
coisas cada vez mais, e não via a hora de sair dali. Estava sendo difícil
controlar-se para não revelar abertamente todo o seu ódio e
ressentimento. Talvez, se agisse com indiferença, Alex resolvesse
deixá-la em paz, uma vez que não lhe faltavam mulheres. E, com toda
a certeza, Joanna Dominic era a principal delas.
Apesar da disposição em ignorá-lo, Tânia não pôde deixar de observálo
disfarçadamente, pela borda do copo, ao tomar um gole do
excelente vinho que ele encomendara. A força magnética daquela
fisionomia bela e viril ainda conseguia atraí-la, bem como as mulheres
que se encontravam no restaurante, obviamente lançando-lhe olhares
cobiçosos.
Ela ainda podia lembrar como parecia ávida aquela boca sensual ao
percorrer-lhe o corpo, cobrindo-a de beijos... a pele morena, tão quente
. e macia... os pêlos negros que recobriam o tórax musculoso... a
habilidade daquelas mãos experientes... a maneira como ele fazia
amor.
A simples lembrança provocava-lhe calor pelo corpo inteiro, deixando-a
temerosa de que essas emoções conflitantes transparecessem em sua
expressão. Irritada consigo mesma, Tânia suspirou e afastou o prato de
comida, sabendo que, por mais que se esforçasse, não conseguiria
comer.
— Estou sem apetite — declarou, com um sorriso encabulado. Como
resposta obteve um simples dar de ombros e um silêncio indiferente.
Constrangida, buscou refúgio atrás do copo, tomando o seu conteúdo
de um só gole. Depois, decidindo passar à ofensiva e também
preocupada em não abusar da gentileza de Kate em cuidar de seu
filho, consultou ostensivamente o relógio, dando a entender que era
hora de se retirar.
— Você está trabalhando? — perguntou Alex, tornando a encher-lhe o
copo.
— Não, mas vou começar em um novo emprego no final da semana.
— Em propaganda?
— Não, como governanta de crianças.
— Você gosta desse tipo de trabalho? — Claro, senão teria procurado
outro.
— Por que desistiu do seu emprego com Mark Fitzgerald?
— Encontrei uma colocação melhor.
— Por que será que tenho a nítida impressão de que você está
mentindo?
— Repito: não lhe devo qualquer satisfação sobre minha vida. —
Olhando novamente para o relógio de pulso, anunciou: —Agora, preciso
mesmo ir embora.
Alex nada disse, mas, alcançando-lhe a mão por cima da mesa,
começou a acariciar-lhe os dedos com severidade.
Perturbada com a doce magia que o contato lhe despertava, Tânia
tentou inutilmente retirar a mão. Porém, fazendo-se de desentendido,
ele comentou com voz calma:
— Não estou vendo nenhuma aliança no seu dedo, e, de certo modo,
isso me surpreende. Sempre imaginei que você tivesse se casado.
— Nem pensar!
Alex mostrou-se surpreso com a súbita amargura que havia na voz
dela. Por um momento, um brilho de preocupação lhe apareceu no
olhar.
— E por que não? Se você gosta de pajear crianças, certamente
adoraria ter seus próprios filhos.
Tânia gelou, perguntando-se se Alex não estaria apenas armando-lhe
uma arapuca para obrigá-la a revelar a existência de Matty. Não, não
havia a menor possibilidade de ele ter descoberto algo sobre o menino,
além de que sua fisionomia impassível não traía qualquer intenção de
confundi-la.
— Se tivesse me casado, eu lhe diria. Mas, como não tenho nenhum
interesse por casamento, seria melhor mudarmos de assunto.
— E quanto a namorados ou amantes? — insistiu ele, não opondo1
resistência a que ela retirasse a mão.
Por pouco Tânia não caiu na risada. Desde que Alex se fora, nunca
mais permitira que homem algum se aproximasse dela. A desilusão a
afetara profundamente, transformando-a numa mulher fria e
indiferente ao amor, exceto no que dizia respeito a Matty.
— No meu coração só há espaço para uma pessoa — afirmou, com
segurança. Entretanto, ao se dar conta de que aquelas palavras
podiam ser mal interpretadas, arrependeu-se. Paciência! Ele que
tirasse as conclusões que bem entendesse.
— Acho que está na hora de irmos — disse Alex bruscamente,
interrompendo-lhe a divagação.
Ao que tudo indicava, ele se zangara, e seus olhos a fitavam de
maneira fria.
— Por mim, já estou pronta.
A mão que a segurou pelo cotovelo, quando saíram do restaurante, era
forte e a apertava como se quisesse machucá-la. Depois que se
acomodaram no carro, ele deu a partida cantando os pneus. Em menos
de cinco minutos, estacionavam em frente ao prédio onde Kate
morava. Como não conseguiu abrir a porta do carro, Tânia virou-se
para Alex, notando que ele a encarava com expressão carrancuda.
— Não adianta forçar. A porta está trancada.
— Então, abra-a — ordenou ela.
— Quem é ele, Tânia? Quem é esse grande amor, que consegue lhe
enternecer tanto o olhar?
— Não é da sua conta!
— Houve um tempo em que você era minha — murmurou ele, quase
queixoso.
— Não! Eu... isso foi há muitos anos — balbuciou, transtornada,
odiando-o por ter trazido à tona um assunto tão doloroso.
— Ainda me lembro da sensação de tê-la em meus braços, apesar da
distância que você agora tenta estabelecer entre nós. E posso ler em
seus olhos que você nunca me esqueceu.
— Engano seu.
Tânia recostou-se no assento, a respiração ofegante e o corpo
enrijecido. Disfarçou as lágrimas que lhe subiam aos olhos e
prosseguiu:
— Apaguei tudo da minha memória, e não quero mais pensar nisso,
para não me sentir enjoada!
— Você não sabe mentir, Tânia. — Ele lhe acariciou os cabelos ruivos e
sedosos. — Quer que eu prove?
— Não me toque! Eu o odeio! Indiferente aos seus apelos, Alex
aproximou-se, pegando-lhe o rosto com delicadeza, fazendo-a alarmarse
ao perceber a intenção dele.
— Não, Alex... Por favor, não.
— E por que não? Já que você me odeia, não tenho nada a perder.
O beijo ardente não se fez esperar.
Tarde demais ela tentou desvencilhar-se, os olhos marejados de
lágrimas, enquanto a boca sequiosa apossava-se da sua, despertandolhe
recordações ainda mais dolorosas. Sem suportar por mais tempo
aquele sofrimento, Tânia conseguiu livrar-se dele, aos empurrões,
usando de violência e gritando.
— Tânia, pelo amor de Deus, ouça-me...
— Deixe-me sair deste maldito carro!
— Certo. Não precisa ficar histérica.
Em seguida apertou um botão do painel -e a porta se abriu,
automaticamente.
Sem olhar para trás, ela saiu do carro e disparou pelo prédio adentro.



CAPÍTULO III
Dois dias depois, Tânia acabava de recolher os brinquedos de Matty
numa sacola, quando tocaram a campainha do apartamento. Era Jake,
que tinha vindo buscá-la.
— Alô, Jake! Que bom vê-lo de novo!
— Oi, Tânia, como vão as coisas?
— Uma bagunça!
Matty olhava para o rosto alegre e sorridente do recém-chegado, e,
poucos minutos depois, já estava encarapitado nos ombros dele,
soltando gritinhos de alegria por ter encontrado um novo amigo.
Kate, como uma boa anfitriã, ofereceu café com biscoitos ao rapaz. Em
seguida, quando começou o transporte da bagagem para o enorme
carro preto, Tânia mal teve tempo de agradecer à amiga por todas as
gentilezas recebidas, prometendo manter contato por telefone.
Já acomodada com Matty no banco traseiro, bocejou, lançando um
último olhar à cidade que ficava para trás. Não dormira bem nas
últimas noites. Aliás, pouco tinha dormido desde que vira Alex naquele
restaurante. E a lembrança do beijo que haviam trocado no carro a
perseguia como uma obsessão, dia è noite. Esperou que ele lhe
telefonasse de novo, mas desde aquele almoço ele nunca mais a
procurara, nem ela tivera qualquer notícia dele. Ainda bem, disse a si
mesma, pois odiava-o, e seria bem melhor se não o encontrasse tão
cedo!
Mas aquela afirmação tão veemente soava falso. Tânia tinha a
impressão de que o reaparecimento de Alex a despertara de uma
letargia profunda, fazendo com que ela sentisse a dor e a amargura
que continuavam latentes no fundo de seu ser.
Ao longo daqueles anos de separação, a imagem que construíra dele
era de um homem invisível, duro, cruel, egoísta, infiel, que só se
preocupava com seu próprio bem-estar. Alex a usara a seu bel prazer,
cansara-se dela e a descartara, sem se importar a mínima com a
mágoa que lhe causara. E ela ficara sozinha, grávida e sem qualquer
apoio. Essa imagem de Alex, positivamente, não se apresentava nada
favorável.
Agora que o reencontrara, apesar de a situação não. ter mudado em
nada, Tânia via-se forçada a encarar o outro lado de Alex, o lado bom,
que a fizera apaixonar-se por ele no passado.
Embora Alex fosse uma pessoa difícil de se entender, o relacionamento
deles, se é que aquele breve interlúdio podia chamar-se assim, fora
doce e apaixonado. E mesmo sendo ele um homem introvertido e autosuficiente,
Tânia aprendera muitas coisas sobre sua personalidade,
através do que ele dizia e pela maneira como tratava os amigos e era
tratado por eles. Tinha que reconhecer sua bondade, seu magnetismo
pessoal, suas boas maneiras e a brilhante inteligência que o distinguia
dos demais.
Tânia ficava confusa por seu coração, sempre bater acelerado quando
se lembrava dele em qualquer situação — fazendo amor ou
conversando amenidades... ou quando lhe admirava o físico perfeito,
nu em pêlo, debaixo . do chuveiro... Devia estar havendo alguma coisa
de errado com ela! Não tinha sentido abalar-se daquela maneira, se
não o amava mais. Todos aqueles detalhes há tempos que já deveriam
estar apagados da sua memória.
E, a bem da verdade, enquanto Alex estava distante, ela quase
conseguira essa proeza. Agora, porém, conscientizava-se de que tudo
não passara de uma mentira. Não podia continuar considerando-o um
monstro; em vez disso, precisava aceitar o fato de que ele era um ser
humano, extremamente atraente, e que ainda exercia influência sobre
suas emoções.
Essa descoberta foi um choque, e a fazia sentir-se deprimida,
principalmente quando meditava sobre o futuro. Não havia muito o que
esperar com relação a Alex Jordan.
— As crianças aguardam você com ansiedade. — A voz entusiasmada
de Jake cortou-lhe o fio dos pensamentos.
— E eu não vejo a hora de conhecê-las. Só espero que gostem de mim.
Sorriu e aconchegou Matty ao colo. O menino desvencilhou-se, pois
desde que entrara no carro não parava quieto, xeretando todas as
minúcias do veículo com visível admiração.
— Elas vão gostar — assegurou Jake, relanceando-lhe um olhar pelo
espelho retrovisor.
Enquanto percorriam a longa estrada, pouco a pouco Tânia foi sentindo
os nervos relaxarem. Agora que começaria no novo emprego, com um
pouco de sorte, sua vida mudaria por completo.
O sr. Miller os estava aguardando na porta de entrada da mansão,
ladeado por Belle e Vinnie.
— Deixe que eu cuido da bagagem. Vá conhecer as crianças — sugeriu
Jake, amável.
Tânia desceu do carro, carregando Matty no colo, e Leon a recebeu
com um sorriso afável.
— Bem-vinda a seu novo lar — exclamou, indo ao seu encontro.
— Estou muito feliz por estar aqui com vocês — disse ela, retribuindo o
sorriso.
— Quero lhe apresentar meus filhos, para que eles parem de me
aborrecer. Desde que souberam que você vinha, não tivemos mais um
momento de paz nesta casa.
E as apresentações foram feitas. Belle era bonita e tímida, com.os
mesmos olhos azul-escuros e cabelos pretos do pai, Vinnie, por sua
vez, um garoto muito desenvolvido e precoce, tinha cabelos loiros e
desgrenhados.
Ficava evidente que Jake e Belle eram filhos do primeiro casamento de
Leon, enquanto Vinnie herdara os traços inconfundíveis de Alicia Miller.
Tânia também apresentou Matty, que a essa altura estava
cambaleando de sono.
— Ele já está apagando— disse Jake, rindo, quando Matty deixou cair o
ursinho de pelúcia do qual não se separara durante toda a viagem.
— Foi muita excitação para ele — justificou Tânia, afagando os cabelos
do filho.
— Jake vai acompanhá-la até seus aposentos, e, depois que você tiver
colocado Matty na cama e se refrescado um pouco, quem sabe
aceitaria tomar um café conosco — ofereceu Leon, gentilmente,
quando entraram no hall.
— Apreciaria muito — disse ela, sentindo-se reanimada pelo calor
humano daquela família.
— Belle e eu vamos lhe mostrar nossos quartos — anunciou Vinnie, em
altos brados, saltitando ao redor dela.
Leon segurou-o pela mão, enquanto dizia:
— Tânia precisa de um pouco de sossego. Vocês vão vê-la quando ela
descer para o café. — E o garoto acabou concordando, com uma
careta.
Apesar dos protestos de Tânia, Jake insistiu em carregar a bagagem
até os aposentos do andar superior.
— Precisa de alguma ajuda com Matty? — perguntou o rapaz,
depositando as sacolas e as malas recheadas no chão do quarto.
— Obrigada, mas pode deixar que eu me arrumo bem com ele. —
Então, nós nos veremos mais tarde — disse Jake, relutante em sair dali.
— Onde vocês vão estar?
— No salão de visitas.
— Jake... Quero agradecer-lhe pela ajuda e por ter sido tão bondoso,
não só hoje, como no dia da entrevista.
Ele sacudiu os ombros e assumiu uma expressão muito solene.
— Eu desejei que você fosse a escolhida desde o começo. E estou
muito contente que tenha vindo.
"Vai dar certo, claro que sim", pensou Tânia mais esperançosa do que
nunca.
Depois de acomodar o filho na cama, resolveu dar uma espiada nos
aposentos. Os quartos de dormir eram muito espaçosos, mobiliados
com luxo, separados por uma antecâmara que servia de sala, com um
aparelho de tevê e telefone privativo. O quarto do menino, pintado de
amarelo-claro, tinha janelas gradeadas, para maior segurança. No
banheiro, além de piscina de hidromassagem, havia um box com sauna
a vapor. Tânia percorreu aqueles cômodos, sorrindo de felicidade,
agradecendo a Deus por sua boa sorte.
Tomou um banho rápido e vestiu um elegante vestido cor-de-rosa, a
cor que simbolizava sua nova fase. Prendeu os cabelos num coque,
lembrando-se de que Leon Miller pretendera contratar uma mulher
mais velha. Maquilou-se discretamente e, após uma última examinada
ao espelho, saiu do quarto e desceu as escadarias.
O som de gargalhadas repercutia no hall. A porta do salão de visitas
estava aberta, mas ela não sabia se devia entrar ou não. Jake foi o
primeiro a avistá-la.
— Venha, Tânia! — E, levantando-se, caminhou ao seu encontro.
Ela entrou no salão e sentou-se numa das poltronas. Belle e Vinnie
tinham se instalado num imenso sofá perto da janela, e estavam
comendo bolo. Leon Miller conversava com um jovem, ambos
acomodados perto da mesinha de centro.
Foi Jake quem fez as honras da casa, oferecendo-lhe um farto lanche.
Mas ela só aceitou o café.
— Tânia, queria que você conhecesse Rick Sanbourne — disse Leon,
apresentando-lhe o jovem, — Rick, está é Tânia, a moça que vai cuidar
das crianças.
Rick Sanbourne olhou-a com evidente admiração.
— Alô, Tânia! Prazer em conhecê-la. Leon esqueceu de dizer que nós
dois somos primos e que eu trabalho para ele.
Tânia sorriu, um tanto encabulada.
— O prazer é todo meu, sr. Sanbourne.
— Rick, por favor.
— Certo, Rick.
Ele era alto, magro e moreno, aparentando quase trinta anos, e agora
que ela sabia do parentesco viu que realmente o rapaz tinha alguma
semelhança com Leon Miller. Parecia ser um homem bem ambicioso,
muito seguro de si, como todos os jovens executivos que estão
galgando os degraus do sucesso profissional.
O tempo passava rápido durante a conversa agradável. Depois de uma
hora Tânia pediu licença para se retirar, querendo estar presente no
momento em que Matty acordasse e se visse num ambiente estranho.
Ao entrar no quarto do filho, viu que ele ainda dormia, esquecido do
mundo. Parecia um anjinho. Aproveitou o tempo para abrir as malas e
colocar cada coisa em seu devido lugar. Fazia calor, e, naquele quarto
ensolarado, ela começou a sentir-se sonolenta, por causa das noites
maldormidas. Recostou-se na cama e acabou pegando no sono.
Uma batida na porta a despertou e, inconscientemente, ela perguntou:
— Alex?
— Não, é Leon.
Ela arregalou os olhos, caindo em si.
— Oh, desculpe!
— Não precisa desculpar-se. Eu é que estou sendo importuno —
disse Leon, entrando.
— Não... não, eu é que não devia ter dormido.
Muito embaraçada, desconfiou que estivera sonhando com Alex. O pior
e que havia pronunciado aquele nome em voz alta.
— E por que não? — O olhar do patrão parecia divertido. — É
compreensível, depois do cansaço da mudança.
Tânia levantou-se, muito sem graça, e deu uma olhadela no quarto
anexo, onde Matty dormia a sono solto.
— Sinto muito —sussurrou, sabendo que não devia estar causando boa
impressão, logo no primeiro dia de trabalho.
— Esqueça... Importa-se que eu me sente? — perguntou Leon,
educadamente.
— Oh, por favor, fique à vontade.
— Você está nervosa?— perguntou ele, notando o seu embaraço
— Estou... Eu queria tanto causar uma boa impressão no me" primeiro
dia...
— Pelo que me consta, você já conquistou todos nesta casa. E na
verdade, seu trabalho só começa amanhã. Eu só subi para saber s está
precisando de alguma coisa e se suas acomodações são satisfatórias.
— Acendeu um cigarro, antes de continuar: — E também par explicarlhe
que eu tinha a intenção de ir buscá-la pessoalmente. Mas por
infelicidade, fui retido por uma chamada telefônica muito importante.
No mesmo instante Jake se ofereceu como voluntário! — acrescentou,
com uma risadinha.
Tânia sorriu, gostando cada vez mais daquele homem.
— Os quartos são encantadores. Eu não esperava tanto! Sua casa é
realmente maravilhosa!
—Não deve ser tão maravilhosa assim — retrucou ele, com um toque
de amargura na voz.
— Não compreendo.
— Essa é outra das razões que me fez vir falar com você. Creio que já
deve ter ouvido o boato a respeito do meu casamento. Os jornais se
cansaram de publicar notícias a esse respeito. E, como você vai tomar
conta das crianças, é preciso que conheça a verdade.
— Oh, não, por favor! Você não me deve nenhuma explicação.
Embora o rosto dele parecesse imperturbável, ela tinha certeza de que
aquele coração ocultava uma grande dor.
— Só queria que você soubesse que eu tenho tanta culpa quanto Alicia
pelo que aconteceu. A imprensa não deu essa versão, e eu gostaria
que as coisas ficassem claras entre nós desde o começo, para evitar
falsas interpretações.
Tânia sentiu um aperto no coração. Era evidente que ele ainda estava
apaixonado pela esposa, e, em matéria de rejeição, ela possuía uma
longa e dolorosa experiência.
— Sei bem como você se sente, Leon.
— Sim, eu também acho que você entende. — Levantou-se, passando
os dedos pelos cabelos negros. — E agora, deixando de lado os dramas
é voltando à vida cotidiana, quero avisar que o jantar será servido às
oito. Você será bem-vinda à nossa mesa.
Depois que ele saiu, Tânia foi escolher um traje adequado para o
jantar, ainda pensando sobre o fracasso do casamento de Leon e Alicia.
Que situação triste! Embora o conhecesse há tão pouco tempo,
gostava muito dele e se sentia solidária com a sua dor. Apesar daquela
aparência exterior de austero homem de negócios, ele era sensível,
dedicado ao lar, carinhoso com os filhos. A grande afinidade que havia
entre eles a fazia saber que poderia contar com Leon em qualquer
circunstância. Exceto, naturalmente, com relação a Alex.
Sentou-se na cama, esquecida do vestido. Afinal, o que estava
acontecendo com ela? Alex não devia ser um problema! Dificilmente o
veria de novo. Talvez fosse este o elo que a ligava tanto a Leon Miller:
ambos tinham perdido a pessoa amada; ambos tinham sido
desprezados.
Lágrimas brotaram em seus olhos negros. Por que não conseguia
afastar Alex de sua mente? Mesmo agora, ainda lembrava-se da
primeira noite em que saíram juntos. Ele tocara a campainha do
apartamento às oito em ponto. Trajava um terno escuro, formal, com
colete.
A noitada transcorreu como um sonho, e ela nem„se deu conta do que
comeu ou bebeu naquele restaurante luxuoso. Estava nas nuvens...
Alex procurou fazer com que ela se sentisse à vontade, rindo muito,
conversando, afastando-lhe todos os temores.
Tânia contou-lhe muitas coisas de sua vida, e ouviu outras tantas sobre
a dele. Alex era muito diferente do que ela imaginara. A imprensa o
vivia rondando, publicando com má fé cada movimento que ele fazia,
cada espirro que dava. À parte as fofocas, ele ocupava realmente uma
posição de destaque no mundo social e dos negócios. Rico e atraente,
estava sempre cercado por mulheres igualmente famosas.
Mas, naquela primeira noite em que saíram juntos, ela até esqueceu
que era uma mocinha simples e anônima, de apenas dezoito anos.
Após o jantar, Alex levou-a de carro até o apartamento. Era mais de
meia-noite, e as ruas estavam quase desertas. Ao despedir-se, ele lhe
deu apenas um beijo rápido e superficial, e foi embora, deixando-a na
porta do prédio. Entre surpreendida e decepcionada, Tânia não parou
de pensar nele um só segundo até a hora de ir dormir. Além de
lisonjeada pela atenção que recebera, já se sentia enamorada daquele
homem tão diferente de qualquer outro que jamais conhecera.
Nas semanas que se seguiram, ele a cortejou abertamente, fazendo
com que ela entrasse em órbita de tanta felicidade. Levou-a a cinemas,
teatros, festas e exposições. Foram passear de lancha e realizaram
longas excursões pelo campo. Mas durante todo esse tempo Alex
limitou-se apenas a alguns beijos eventuais. A vida de Tânia
transformou-se num sonho dourado, até aquela última noite
maravilhosa.
Ela estava em casa, exausta após um dia de trabalho
excepcionalmente agitado. Acabara de sair do banho quando a
campainha tocou. Vestindo apressadamente um penhoar de jérsei, foi
atender à porta, os longos cabelos ruivos soltos pelas costas.
Era Alex. Tânia ficou muito admirada, e ao mesmo tempo feliz com
aquela visita inesperada.
— Posso entrar?
— Sim ... sim, claro.
Ela enrubesceu quando aqueles olhos cinzentos passearam por seu
corpo molhado, onde o fino tecido do penhoar grudava, evidenciandolhe
todas as curvas.
— Não esperava que você viesse. Eu, eu... — começou a gaguejar,
consciente de sua aparência provocante.
— Tânia, pare de bobagens, eu quero entrar — disse ele, de um modo
brincalhão.
Ela se afastou da porta, com o coração aos pulos, e Alex entrou, indo
diretamente para a sala, seguido pelo seu olhar extasiado. Realmente,
ele estava* lindo naquela roupa esporte. O jeans justo realçava-lhe os
poderosos músculos das coxas, e a camisa aberta deixava à mostra o
peito moreno e vigoroso.
— Vou me vestir — anunciou ela, sentindo uma secura na boca. —
Enquanto espera, não faça cerimônias e sirva-se de um drinque.
Deu meia-volta em direção ao quarto, mas Alex, segurando-a pelos
ombros, obrigou-a a parar e encará-lo.
— Gosto do jeito como você está — declarou, com voz profunda, e o
coração de Tânia quase parou.
— Não quer sentar-se? — sussurrou ela, mal encontrando um fio de voz
para falar.
— Eu queria vê-la antes de partir, Tânia. Viajo amanhã.
— Para onde vai? — perguntou ela, desapontada, as mãos trêmulas
quase derrubando a garrafa de uísque que retirara do barzinho.
Alex estava muito sério e compenetrado quando pegou o copo que ela
lhe estendeu.
— Preciso ir para a América do Sul. Um grande amigo meu foi baleado
e acabou de falecer. Era ele quem dirigia uma de minhas empresas
multinacionais. Portanto, é indispensável que eu vá até lá.
— Sim, sim, é claro. — Tânia mordeu o lábio, horrorizada com o" que
acabara de ouvir. — Mas... por que ele foi baleado?
— Está havendo uma guerra civil lá. Grupos rebeldes lutando contra
um governo totalitário. Uma loucura! — Deslizou a mão pelos cabelos
negros, num gesto que lhe revelava a exaustão.
— Sinto muito pelo que aconteceu com seu amigo — Tânia solidarizouse
com ele, dirigindo-lhe um olhar cheio de compreensão.
— Eu também. Ele era um bom homem, e um excelente amigo. —
Bebeu todo o uísque de uma só vez.
— Não quer mesmo se sentar? Você parece cansado — insistiu ela,
desejando dizer alguma coisa que pudesse ajudá-lo a relaxar a tensão.
Finalmente, Alex acomodou-se numa das poltronas, enquanto Tânia
sentava no sofá, cuidando de fechar bem a abertura do penhoar.
— E por quanto tempo você ficará fora?
Mal fez a pergunta, logo se arrependeu. Não queria parecer possessiva,
apesar de saber de antemão que iria morrer de saudades dele.
— Não posso lhe assegurar nada. Precisarei providenciar o funeral e
em seguida cuidar da reorganização do staff da empresa. — Acendeu
dois cigarros e passou um para ela.
Tânia só ficou vendo-o fumar, e, repentinamente, deu-se conta de que
estava chorando, a visão turva pelas lágrimas.
Alex foi ao seu encontro é a fez levantar, abraçando-a,
carinhosamente.
— Não chore, por favor.
—Desculpe... É que eu... eu vou sentir muito a sua falta. Ele respirou
fundo.
— Eu também. Por mim, você iria comigo, se a viagem não fosse tão
perigosa.
— Eu não me importaria... — Parou a frase no meio, o coração
transbordando de felicidade porque ele disse que ia sentir falta dela...
porque gostaria de levá-la junto.
— Só que não é o caso. Por nada deste mundo eu a exporia a uma
situação tão perigosa. — Ergueu-lhe o rosto pelo queixo e beijou-lhe os
olhos lacrimejantes. — Tânia....
Seus olhares se. encontraram, fazendo-a sentir um estremecimento de
expectativa percorrer-lhe o corpo. Continuaram a fitar-se, olhos nos
olhos, por um eternidade, até que, de súbito, Alex beijou-a com ânsia
incontida, aconchegando aquele corpo frágil e trêmulo de encontro ao
dele, visivelmente excitado.
— Tentei controlar-me este tempo todo, Tânia, mas já não posso mais
— sussurrou, entre um beijo e outro. — Eu a desejo,
desesperadamente!
Ela sorriu, radiante com aquela revelação. Até então, temera que Alex
não a considerasse suficientemente atraente para o seu gosto
sofisticado. E agora, descobria que ele se contivera, apenas por
respeitá-la.
Aquele amor, aquele desejo há tanto tempo reprimido explodiu,
incontrolável. Tânia passou-lhe os braços pelo pescoço, muito dócil e
meiga, ansiosa por amá-lo. Afinal, após aquela noite, só Deus sabia
quando haveria de vê-lo novamente.
— Eu também o desejo — murmurou, o olhar revelando que não oporia
objeção a qualquer iniciativa dele.
Alex pegou-a no colo e levou-a até a cama. Abriu-lhe o penhoar,
prendendo a respiração ao contemplar as curvas suaves e perfeitas.
Tânia corou ao vê-lo admirando sua nudez, mas em vez de se inibir
desejou-o ainda mais.
— Você é tão linda, Tânia... Sua pele é tão suave... tão macia... que até
tenho medo de tocá-la.
— Abrace-me, Alex, abrace-me forte.
Com um gemido de prazer, ele se deitou ao lado dela, as mãos
começando a explorar-lhe o corpo sensualmente. Ela o ajudou a livrarse
das roupas e, por sua vez, acariciou-lhe, fascinada, os músculos,
poderosos do tórax, sentindo sob os dedos a aspereza excitante dos
pêlos negros.
Desde o primeiro instante em que se conheceram, tudo tinha se
encaminhado para aquele momento supremo. Ela se sentiu ansiosa e
lânguida, preparada para recebê-lo. Seus seios se enrijeceram ao toque
dos dedos experientes, enquanto o corpo se arqueava, desejoso.
Ternamente, ele a excitou ao máximo, até derrubar todas as barreiras
de seu natural pudor de primeira vez.
— Agora, toque-me, assim como eu fiz com você — pediu, arque-jante.
Sem constrangimentos, ela tocou cada parte daquele corpo quente, e
saboreou com os lábios aquela pele morena e salgada, embriagadora
como um vinho.
E logo se possuíram um ao outro, sem falsos pudores, sem sofrimento
para ela, que tão bem havia sido preparada para sua primeira noite de
amor.
Já saciados e relaxados, fumaram um cigarro juntos, olhando-se
amorosamente, até que, exaustos, adormeceram. Mas, sob a luz tênue
da madrugada, despertaram e se amaram novamente.
Pela manhã, ele a beijou com sofreguidão, prometendo que lhe
telefonaria. Tânia levantou-se da cama e foi preparar um café,
disfarçando a angústia que estava sentindo por ter que se separar
dele.
Assim que Alex saiu, entregou-se a um pranto sem fim, como se um
sexto sentido a alertasse de tudo o que viria depois daquela noite
inesquecível. Ainda estava chorando quando ele telefonou do
aeroporto.
— Oh, Tânia... como vou sentir sua falta, minha querida! — disse ele,
parecendo já muito distante.
"Eu amo você"... — sussurrou ela só para si mesma, desejando ter a
coragem suficiente para fazer aquela declaração em voz alta.
Ao lembrar-se daquele dia tão distante, Tânia admitiu que nunca
revelara por palavras seu grande amor por Alex. Protegera-se de uma
humilhação, e pensara que com isso tinha conseguido uma grande
vitória.

 CAPÍTULO IV
O primeiro mês de trabalho passou rapidamente. Tânia adaptava-se
bem à família e dava-se às mil maravilhas com as crianças. Matty
também adorou a nova casa, afeiçoando-se em especial a Belle, que
não o largava um minuto sequer. Em todas as conversas, o garoto
mencionava a amiguinha: "Belle falou...", "Belle disse...", Belle isso,
Belle aquilo.
A amizade de Tânia com Leon aprofundava-se dia após dia, e, nas
poucas vezes em que ele ficava em casa, costumavam manter longas
conversas ao cair da tarde, das quais Jake também participava. Leon
deixava-a segura e confiante, pois ele ainda estava apaixonado pela
esposa, o que o tornava indiferente às outras mulheres. Era o primeiro
homem, desde Alex, com quem ela se sentia à vontade. Com todos os
outros que porventura se aproximassem, Tânia se mostrava sempre
arredia e desconfiada. Depois da fuga do namorado, perdera todas as
ilusões sobre os homens, e não se arriscava a maiores envolvimentos.
Sim, naquela casa tudo transcorria bem, até melhor do que ela havia
esperado de início.
O verão daquele ano estava sendo excepcionalmente quente e
ensolarado, e, como ela passava uma boa parte.do tempo ao ar livre,
sua pele adquirira um belo tom dourado.
Do lugar onde se acomodara à beira da piscina, Tânia podia vigiar
Matty e Belle, que brincavam juntos no gramado. Vinnie tinha ido
passar uma semana fora, num acampamento de férias na Escócia,
passeio que conquistara depois de muito atazanar o pai. Leon também
se ausentara. Viajara para a França a negócios, devendo regressar
somente à noitinha. Assim, a casa estava praticamente vazia, fazendoa
sentir-se tranqüila e feliz.
— Oi! Trouxe um cafezinho — ouviu a voz de Rick às suas costas. Tânia
virou-se, sorridente, e acenou para o rapaz. Ele trazia uma
bandeja, que depositou sobre a mesinha de junco, antes de sentar-se
frente a ela.
— Obrigada, Rick. Você chegou agora?
Rick Sanbourne estivera em Nova Iorque durante os últimos quatro
dias. Como, além de trabalhar para Leon, era amigo da família, sempre
que vinha à Inglaterra, hospedava-se na mansão.
— Sim, e estou exausto. Como vão as coisas por aqui?
— Ótimas! A casa funciona como um cronômetro. Por isso me sobra
tempo até para usufruir um pouco da piscina.
Tânia gostava bastante de Rick, embora ainda não se sentisse
completamente desinibida em sua presença, uma vez que o rapaz não
fazia segredo de que a achava atraente. De vez em quando, ela o
surpreendia lançando-lhe olhares cobiçosos.
— Quer dizer que já se adaptou bem à rotina?
— Oh, sim, e estou adorando.
O jovem executivo reclinou-se sobre o espaldar da cadeira e vagueou o
olhar pelo gramado onde as crianças brincavam.
— Os garotos também a adoram. Parece que se sentem bem mais
felizes desde que você chegou.
Tânia corou um pouco com o elogio.
— Isso não quer dizer que fossem infelizes antes, não é mesmo?
— Mas eram, pois isto aqui virou um inferno, quando Alicia abandonou
a casa. Leon ficou fora de si, e as crianças, completamente
transtornadas. Houve também muitos problemas com alguns parentes
e amigos fofoqueiros que não deixavam as crianças em paz nem no
horário da escola, e perseguiam Leon, atormentando-o até mesmo no
escritório. Foi um verdadeiro suplício, e nós temíamos que Vinnie e
Belle ficassem traumatizados.
Tânia meneou a cabeça, compassiva.
— Deve ter sido terrível para eles... Eu não imaginava que o caso
tivesse sido tão grave!
— Não foi fácil ver a própria mãe abandonar o lar sob um estardalhaço
publicitário. Vinnie ficou inconsolável, e Belle, que considerava Alicia
como mãe verdadeira, também não se conformava.
— Não entendo como ela pôde fazer uma coisa dessas... — murmurou
Tânia mais para si mesma, sabendo que nunca abandonaria Matty,
independentemente das circunstâncias. — Ela teve boas razões!
A voz de Rick tornara-se repentinamente áspera, e Tânia enrubesceu,
apressando-se em desculpar-se:
— Sinto muito. Eu não tive a intenção de fazer uma crítica.
— Sei que não teve, senão eu a teria esganado.
Muito constrangido, Rick desviou o olhar, e no mesmo instante ela
compreendeu o que lhe ia à mente.
— Você a amava — constatou ela, surpresa com o fato.
— Que garota inteligente você é! — Apesar da entonação mordaz, ele
não parecia ofendido. — Sim, eu a amava, e ainda a amo. Aliás, desde
que fui apresentado a ela por Leon, Sempre a amei. Só que Alicia nem
sabe que existo — acrescentou, rindo sem a menor alegria.
— Desculpe-me. Eu devia ter sido mais discreta.
Rick cobriu-lhe a mão com a dele, afagando-a suavemente.
— É bom desabafar com alguém. Alicia descobriu minha paixão e
passou a me usar de forma abominável, toda vez que brigava com
Leon. Entretanto, o culpado de tudo fui eu, que deveria ter me afastado
daqui desde o início, essa é que é a verdade.
Como não soubesse o que dizer, Tânia limitou-se a fitá-lo em silêncio,
intimamente chocada. Alicia Miller destroçara tantos corações!
Além de jovem e bem-apessoado, Rick trilhava uma carreira
promissora à frente de uma das empresas dos Miller. Logo que o
conhecera, Tânia não imaginava que ele nutria uma paixão tão grande
pela esposa do primo. Agora era fácil compreender a rotina cansativa
de trabalho que ele se impunha; tudo não passava de urna armadura
dentro da qual Rick se escondia, tentando preservar o amor-próprio.
Que situação dolorosa... Será que não havia uma só pessoa em seu
círculo de amigos que não fosse infeliz no amor? Kate, Leon, Rick, e ela
própria! Talvez o amor significasse apenas sofrimento e dor.
Naquele momento arrependeu-se por ter tratado Rick com tanta
prevenção.
— Acho que eu a abalei — desculpou-se ele, depois de uma pausa. —
Não sei muito bem como você consegue, mas admiro seu talento para
descobrir segredos de amor.
Tânia sorriu com simpatia, percebendo o quanto ele se encabulara com
a revelação que fizera. Decidiu tranqüilizá-lo, prometendo, solene:
— Deixe para lá. Pode confiar em mim, não direi nada a ninguém. *
jake apareceu ao lado deles sem ser pressentido, e, acomodando-se
numa das cadeiras, perguntou:
— Não dirá o quê?
— Cuide de sua vida, rapaz! — advertiu ela, amenizando u li use com
um sorriso. — Quer um pouco de café?
— Aceito. E como vai a vida, Jake? — interessou-se Rick,
cumprimentando-o.
— Tudo bem — respondeu o rapaz, com pouca convicção, visivelmente
enciumado com o clima de intimidade entre Tânia e Rick.
Certamente, ele ia fazer algum comentário, ferino, mas naquele
instante Belle apareceu, convidando-o para ver alguma coisa que ela e
Matty tinham descoberto no jardim. Assim que Jake saiu atrás da irmã,
Rick sorriu divertido, e comentou:
— Possessivo, o rapazinho, hein? Aposto que ele está deslumbrado
com você.
— Espero que não. Odiaria ter que decepcioná-lo.
Rick afagou-lhe o rosto, carinhosamente.
— Você é jovem demais para levar as coisas tão a sério, Tânia —disse,
levantando-se em seguida. — Vou trabalhar um pouco, antes que Leon
volte de viagem. Encontro-a mais tarde.
Pouco depois Tânia resolveu levar as crianças a um passeio no
zoológico, de onde voltaram quase às sete horas, bastante cansados,
sobretudo Matty, embora ele tivesse passado a maior parte do tempo
nos braços de Jake.
Após colocar o filho na cama, Tânia tomou um banho, aprontando-se
para.o jantar.
Estava escovando os cabelos quando bateram à porta. Assim que
verificou que era Leon, recebeu-o com um cumprimento informal.
— Você está ocupada? — perguntou ele, depois do aperto de mão.
Leon vestia um paletó de veludo preto, contrastando com a camisa
branca, e parecia mais, atraente do que nunca. Há quatro anos, Tânia
teria se interessado por ele. Agora, porém, já não havia lugar em seu
coração para o amor.
— Absolutamente — respondeu ela, largando a escova. — Sente-se,
por favor.
Leon acomodou-se numa poltrona ao lado da penteadeira,
comentando:
— Estou exausto! Sinto-me como um andarilho que caminhou sem
parar durante uma semana.
— Pelo menos a viagem foi bem-sucedida? — perguntou ela, colocando
a pulseira de ouro que combinava com seus brincos de pingente.
— Bastante. — Em seguida, entregou-lhe um pacotinho, dizendo:
— Isso é para você.
Muito surpresa, Tânia segurou a caixinha, tentando adivinhar o seu
conteúdo.
— Oh, mas você não deveria...
— Antes que complete a frase, fique sabendo que comprei uma
lembrança para cada uma das crianças, e você não poderia ficar de
fora — interrompeu ele, num tom brincalhão. — Deixei o de Matty lá
embaixo.
Tânia abriu o pacote: era um frasco de perfume francês, que ela
destapou, aspirando a fragrância suave e sofisticada.
— Obrigada! Adorei. Vou estreá-lo já.
A seguir, passou um pouco da essência nos pulsos e nos lóbulos das
orelhas, comovida com tanta gentileza.
— Correu tudo bem durante minha ausência?
— Nenhum problema. Vinnie embarcou para a Escócia, radiante de
felicidade. Belle e Matty continuam se dando às mil maravilhas. Oh,
sim, hoje à tarde fomos ao zoológico.
— Já me contaram...
— Bem, isso é tudo. Eu até comentei com Rick que esta casa funciona
como um relógio.
— Você não se importou de ter ficado sozinha para cuidar de tudo?
— Não. E aproveitei a tranqüilidade reinante para relaxar. Confesso
que não tive muito com que me ocupar durante sua ausência, e passei
boa parte do tempo à beira da piscina. Claro que a sra. Rodale e Jake
me ajudaram muito.
Leon sorriu, benevolente.
— Jake gosta muito de você. É capaz de fazer qualquer coisa para
ajudá-la.
— Rick disse a mesma coisa. Será que ele...?
— Você é jovem e bonita, e não seria de estranhar que ele estivesse
enamorado — completou Leon, com ar sério.
— Peço a Deus para que isso não aconteça.
Desconfiava que ele estava apenas Sendo lisonjeiro. Afinal, com sua
penosa experiência, Tânia sabia que aquele era o tipo de sentimento
que ela não inspirava nos homens. Alex lhe ensinara muito bem a lição.
— E por que não? Isso faz parte da fase de crescimento. Logo ele vai
superar essa paixão, não se aflija.— Sorriu ao notar-lhe a expressão
preocupada, e acrescentou: — Pode acreditar! E se falo como um
ancião, é porque é fácil esquecer que a diferença de idade entre vocês
dois é mínima.
— Triste, não acha? Na verdade, eu me sinto séculos mais velha, O
olhar de Leon tornou-se gentil e compreensivo.
— Creio que o fato de você ter sido mãe tão prematuramente a
amadureceu antes do tempo.
Vinte e dois anos! Realmente, ela era bem jovem. Mas também muito
mais sofrida e experiente do que a maioria das moças de sua idade.
Aquilo a entristecia, dando-lhe a sensação de ter jogado fora a melhor
parte de sua vida: a juventude.
Leon levantou-se e tomou-lhe as mãos, num gesto afetuoso.
— Devo ter dito alguma coisa que a entristeceu. Ela sacudiu a cabeça,
forçando um sorriso.
— Não, não, em absoluto. Eu só estava pensando como tenho sorte por
ter um amigo tão maravilhoso como você!
E era verdade! Aquele homem havia se tornado um amigo muito
querido e especial. A diferença de idade pouco importava, pois a vida
se incumbira de lhes proporcionar inúmeras afinidades.
Leon pareceu comovido e satisfeito com aquelas palavras, e seus olhos
azuis refletiam esses sentimentos no momento em que ele se abaixou,
beijando-a na face.
Nenhum dos dois escutou quando a porta se abriu e uma loira
lindíssima entrou no quarto, parando de súbito ao deparar com aquela
cena.
— Que quadro mais comovente! — disse a desconhecida. As palavras,
apesar de amenas, foram ditas num tom tão ríspido, que Tânia quase
desmaiou de susto.
Leon virou-se depressa, a expressão do rosto era impassível ao fitar a
esposa e perguntar em voz controlada:
— Que diabos você está fazendo aqui?
— Pelo visto, interrompendo uma cena de amor. — Alicia deu um
sorriso deslumbrante e ao mesmo tempo sarcástico. — Sim, senhor!
Que bela acolhida!
— E o que você esperava?
Leon mantinha-se tão imperturbável, que se Tânia não o conhecesse
poderia jurar que ele não ligava a mínima para a mulher.
— Eu esperava tudo, menos vê-lo nos braços de outra mulher depois
de tão pouco tempo! — Sua voz mostrou falsa alegria e desembaraço,
quando acrescentou: — Como é? Não,vai me apresentar à jovem, meu
querido?
Os maxilares de Leon contraíram-se, revelando a fúria que ele tentava
controlar.
"Eu não deveria estar aqui neste momento. Sou uma intrusa que nada
tem a ver com os problemas desses dois", concluiu Tânia
mentalmente.
E, antes que Leon tivesse chance de falar, tomou a iniciativa.
— Sra. Miller, sou Tânia Montague. Seu marido contratou-me para
tomar conta das crianças. Creio que ambos gostariam de ficar a sós,
portanto, se me dão licença... — disse com polidez, fazendo o possível
para não deixar transparecer o quanto se sentia constrangida.
Depois, sem dar oportunidade a que dissessem alguma coisa, ou a que
Leon tentasse retê-la, saiu apressadamente, respirando aliviada, ao
fechar a porta atrás de si.
Desceu as escadas em direção ao jardim, ainda impressionada com a
cena do quarto. Será que Alicia Miller tinha voltado definitivamente? Se
fosse o caso, que seria feito dela, Tânia Montague, dali em diante?
Caminhando por entre os canteiros floridos, estava tão imersa em suas
preocupações que, ao virar por uma das alamedas, acabou dando um
violento encontrão em Jake. Rápido, ele a amparou pelos ombros, num
movimento gentil, quase carinhoso. —Oh, desculpe. Eu estava tão
distraída!
— Por que essa cara tão preocupada? Aconteceu alguma coisa?
Ouvindo-lhe o tom amável, que tanto lembrava o de Leon, Tânia não
pôde deixar de pensar em como aquele rapaz se parecia com o pai. E
não somente por causa da altura ou da beleza física; também a
personalidade era idêntica.
— Você não soube que a sra. Miller está aí?
— Alicia? Que brincadeira é essa?
— Brincadeira, nada. Ela acaba de chegar.
— E papai já está sabendo?
Havia algo na voz de Jake que ela não conseguia identificar. Raiva?
Desapontamento? Frustração?
— Bem, eu estava em meu quarto conversando com Leon quando ela
apareceu.
— Será que ela voltou para ficar? — perguntou ele, após um silêncio
prolongado.
— Não faço a menor idéia. Só sei que, quando a vi chegar, tratei logo
de sair, e vim direto para cá. — Ao vê-lo soltar um suspiro irritado,
perguntou: — O que há com você, Jake?
— Ai, que raiva! Ele vai aceitá-la de volta. Tenho certeza que vai!
Surpresa diante daquelas palavras, ela perguntou:
— Você não gosta dela?
Nesse momento pararam a caminhada sob uma árvore frondosa, na
qual Jake se encostou antes de responder.
— Acredito que ela não seja má. Só que você não presenciou o estado
em que meu pai ficou por ocasião de sua partida: parecia tão ou mais
arrasado do que quando mamãe morreu! E eu não quero que ele passe
novamente por isso. Não é justo!
Aturdida por nada poder fazer para ajudá-lo a superar a mágoa e a
tristeza, Tânia decidiu pelos menos tentar preparar o terreno, no
sentido de ele aceitar a verdade. Com voz calma, explicou:
— Pelo que pude notar, Leon a ama e a deseja de volta,
incondicionalmente.
— Sim, isso eu sei. E só quero que ele seja feliz... Só isso. Oh, nem
posso imaginar...
À beira das lágrimas, Jake voltou-se para o jardim, dando-lhe as costas,
e ficou por um bom tempo com o olhar perdido no gramado, tentando
acalmar-se. Então, de repente, começou a contar:
— Mamãe morreu num acidente de carro, quando eu completei nove
anos. Leon quase enlouqueceu de tanta tristeza, tornando-se um
homem amargo. No entanto, ao conhecer Alicia, ele pareceu reviver, o
que me fez ficar feliz quando os dois resolveram se casar. Ela era ótima
conosco, principalmente com Belle, que tinha pouco mais de dois anos.
Na época do nascimento de Vinnie, ela precisou se afastar do trabalho
por uns tempos, contrariada. Foi daí que começaram as brigas.
Naturalmente, logo que pôde, Alicia voltou à antiga profissão de
manequim, enquanto Leon era obrigado a ausentar-se muito, sempre
viajando. Eu não sei o que aconteceu entre eles, mas as coisas foram
piorando dia após dia, até que ela abandonou a casa, há uns dois
meses, e os jornais fizeram aquele escândalo todo, envolvendo o tal
cantor de rock... Leon sofreu tanto como quando mamãe morreu. Eu
não quero que ele padeça de novo. Ele não merece isso... não merece!
— Quem sabe se desta vez ela não fica para sempre? — Tânia sugeriu,
na tentativa de consolá-lo.
— E se não ficar?
— Nesse caso, você nada poderá fazer, Jake. Seu pai sabe o que quer,
e com certeza conta com o seu apoio para a decisão que tomar.
Ela sabia que essa sugestão dificilmente serviria para tranqüilizá-lo,
embora fosse a visão racional do problema para quem estivesse de
fora, sem qualquer envolvimento emocional.
A atitude protetora de Jake em relação ao pai chegava a ser tocante,
mas Tânia sabia que Leon amava a mulher, sem restrições. Deu-lhe
uma pancadinha no ombro, amistosamente.
— Está na hora do jantar, Jake. É melhor irmos entrando.
Ele se virou lentamente, revelando os olhos marejados de lágrimas.
Perdera a mãe muito criança, e temia que Alicia o afastasse do pai, o
único ente querido que ainda lhe restava. Ficava evidente que Alicia
nunca se esforçara para anular esses temores, e isso, realmente, não
era justo. Jake mostrava-se inseguro e solitário, tal como Tânia estava
recomeçando a sentir-se.
Instintivamente, enlaçou-lhe a cintura, num gesto solidário, não
suportando vê-lo sofrer daquele jeito. Ele também a abraçou, apoiando
a cabeça em seu ombro, e ambos caminharam de volta para casa,
cabisbaixos, unidos por uma força maior: a solidariedade humana.
— Obrigado — disse ele, ao reerguer a cabeça, visivelmente
embaraçado.
— Sou eu quem agradece. — Tânia sorriu-lhe, apagando qualquer traço
de constrangimento entre eles.
Naquela noite, o jantar esteve bem próximo de um desastre total. Jake
permaneceu mudo o tempo todo, bem como Rick, que não tirava os
olhos de Alicia- Esta, ao contrário, ria muito, brincando com Belle e
flertando abertamente com o marido.
Esse jogo da manequim irritou Tânia a ponto de fazê-la perder o pouco
apetite que tinha e esquivar-se das tentativas de Leon de incluí-la na
conversa. De repente, ela perdera toda a espontaneidade, preocupada
com a ameaça que pairava sobre seu futuro. Alicia observava-a de
esguelha, muito atenta, o que não era um bom sinal.
Assim, Tânia escapuliu tão logo o jantar terminou, com o pretexto de ir
dar uma olhada em Matty. Era um alívio deixar aquela atmosfera
tensa. Entretanto, nem a paz de seus aposentos conseguiu tranqüilizála.
Passada mais ou menos uma hora, Leon veio vê-la, comentando
com um sorriso forçado:
— Você parecia muito abatida durante o jantar.
— Não, eu estava bem... — mentiu, sem muita ênfase.
— Alicia pretende voltar e começar tudo de novo — disse ele,
postando-se diante da janela e olhando o jardim.
Embora recebesse a notícia sem surpresa, pois desde o início
desconfiara das intenções de Alicia Miller, Tânia mostrou-se muito
interessada.
— E você, o que pensa disso?
— Eu concordei. Desejava muito a volta dela.
— Só espero que essa decisão seja boa para ambos. Você sabe o
quanto o estimo, è quero vê-lo feliz.
— Claro que vai ser bom! Continuarei com meu trabalho, e Alicia, com
o dela. E o seu, Tânia, estará garantido pelo tempo que você quiser.
— A sra. Miller concorda com isso?
— Sim.
O monossílabo foi dito com firmeza e decisão, mas, por alguma razão
oculta, Tânia continuava a duvidar, achando que, pela primeira vez,
Leon não estava sendo sincero.
— Você é muito bondoso, Leon. Ele sacudiu a cabeça, sorrindo.
— Não se trata de bondade. Você fez um excelente trabalho. As
crianças se sentirão perdidas sem sua presença.
O elogio lhe agradou, diminuindo um pouco sua apreensão em relação
ao futuro. Algumas horas mais tarde, porém, quando finalmente foi
para a cama, não conseguiu dormir. A antiga insegurança voltara a
atormentá-la. Tinha quase certeza de que Alicia não gostara dela. E o
flagrante tão inocente na hora da chegada por certo teria um peso
desfavorável quanto à sua permanência na casa....
Tânia afundou a cabeça no travesseiro, como se assim pudesse afastar
os maus pensamentos, substituindo-os por um pouco de tranqüilidade
e bom sono.
Na manhã seguinte, ao descer para o desjejum, encontrou Rick na
escada. O rapaz colocou-se a seu lado, conduzindo-a pelo braço até o
térreo e segurando Matty no colo.
— Você amanheceu linda!
— Você é que está a elegância em pessoa! — disse ela.
— É que vou embarcar para Munique às dez horas. Viagem de
negócios.—: Sua voz parecia alegre demais, e Tânia o fitou, incrédula,
obrigando-o a confessar: — Na verdade, arrumei uma desculpa para
dar o fora daqui, coisa que já devia ter feito há muito tempo.
— Boa sorte, Rick.
Quando entraram na sala de almoço, Jake, Leon e Belle os receberam
efusivamente, cumprimentando-os em coro:
— Bom-dia, Tânia! Bom-dia, Rick!
— Bom-dia para todos vocês! — responderam igualmente, em
uníssono.
— Nós todos vamos para o litoral! — anunciou Belle, entusiasmada.
— Vocês vão precisar de mim? — perguntou Tânia, suspeitando que
aquela seria uma confraternização familiar.
— Não vamos precisar de você no sentido profissional — esclareceu
Leon, sorridente. — Mas gostaríamos imensamente que você
participasse do passeio.
Felizmente, Matty não prestava atenção à conversa, distraído em
comer. Tânia" não queria desapontar o filho.
— Sabem... vou ter muito o que fazer aqui em casa. Portanto,
agradeço, mas recuso...
— Não acredito que haja tanto serviço durante nossa ausência. Se não
quiser nos acompanhar, tire o dia de folga — sugeriu Leon.
— Você está acostumando mal a garota, meu querido — disse Alicia,
entrando na sala.
— Ao contrário, Até há pouco, estávamos tentando convencê-la a vir
conosco — retrucou ele, quando a esposa se sentou à mesa.
— Se eu fosse você, não insistiria. Deixe que ela mesma decida.
A expressão de desdém que havia em seus olhos quando ela fitou
Tânia e Matty não passou despercebida a Jake, que, resmungando algo
incompreensível, levantou-se abruptamente da mesa, Belle, ignorando
o drama, deu um palpite.
— Vinnie vai ficar uma fera quando souber do nosso programa!
— Isso significa que repetiremos a dose quando ele voltar tio
acampamento — assegurou Leon, esforçando-se para amenizar o clima
de tensão que se instalara no ambiente.
Tão logo Matty terminou de comer, Tânia pediu licença e se dirigiu para
a porta, levando o filho no colo.
— Vamos partir após o desjejum — avisou — A minha proposta
continua em pé: tire o dia de folga enquanto estivermos fora.
Antes de deixar a saia, Tânia o olhou, preocupada. Apesar das boas
intenções do sr. Miller, Alicia deixara claro que não estava nada
satisfeita com a situação.
No corredor, encontrou Jake, que lhe abriu a porta, perguntando:
— Você não quer mudar de idéia e vir conosco?
— Não. Vou aproveitar o dia para fazer uma visita a Kate.
— É por causa de Alicia, não é?
— Nada disso, Jake. Só acho que esse passeio será uma boa
oportunidade para reunir a família e todos chegarem a um bom
entendimento. Eu não entro nisso. Seria uma intrusão, entende?
Jake suspirou, impaciente.
— Ainda assim, eu gostaria que você nos acompanhasse.
— Não vai dar. Nós nos veremos na volta — prometeu ela, deixando-o
de muito mau humor.
Tânia passou a tarde no apartamento de Kate, contando-lhe as
novidades sobre o novo emprego. Só voltou para casa depois das seis
horas.
Entrando na cozinha para dar o lanche a Matty, encontrou a cozinheira
super atarefada.
— Alô, sra. Rodale. Por que essa correria toda?
— Visitas — resmungou a mulher.
— Muita gente?
— Só dois. Mas o sr. Miller disse que é gente importante. Sabe como
é... negócios!
— A que horas vai ser o jantar?
— Eles vão chegar lá pelas oito, mas a comida só será servida depois
das oito e meia.
— O pessoal de casa já chegou?
— Nem sinal deles! — respondeu a sra. Rodale, sem interromper seus
afazeres. — Acho bom que eles se apressem!
Subindo ao quarto, Tânia deu banho em Matty e o fez adormecer,
contando-lhe uma história infantil. Só então tomou uma rápida ducha,
secou os cabelos e maquilou-se, pensando no que deveria vestir para
aquele jantar.
Quando havia convidados na casa, os trajes eram sempre formais, e
ela escolheu um vestido preto, de tafetá, com um corpete justo e uma
saia rodada, de babados, que lhe realçava o dourado da pele e a cor de
fogo dos cabelos. Sem falsa modéstia, achou que estava com uma bela
aparência.
Deu uma última olhada em Matty, que já dormia profundamente, e
seguiu em direção ao hall. Quando chegou ao final da escadaria, ouviu
vozes, entremeadas de risadas, vindas do salão de visitas.
Abriu a porta dupla, totalmente despreparada para o.quadro que se
revelou à sua frente: Alex Jordan, recostado numa das poltronas, ria
junto com Alicia.
Arregalou os olhos, incrédula, o coração disparado. Aquilo só podia ser
um pesadelo. Entretanto, a pior parte ainda estava por vir.
Conversando com Leon, que naquele momento preparava os drinques,
estava a única mulher do mundo que ela odiava: Joanna Dominic, a
amante de Alex.
Seguindo um impulso, decidiu sair dali correndo, e já havia dado meiavolta,
quando Leon a avistou.
— Tânia, venha cá! O que você vai tomar de aperitivo?


 CAPÍTULO V
Nunca em sua vida Tânia enfrentara uma situação tão embaraçosa. A
conversa pareceu morrer, e o silêncio que se seguiu tinha algo de
tétrico e ameaçador.
Ela baixou a cabeça, incapaz de sustentar o olhar de Alex.
— Deixe-me apresentá-la — disse Leon, simpaticamente, sem notar-lhe
o constrangimento.
Alex estava bem a seu lado, fitando-a de forma indecifrável. Mas não
se mostrava surpreendido por vê-la naquela casa.
— Olá, tudo bem? — cumprimentou ela, num sussurro.
— Vejam só que coincidência! — exclamou Leon, sem perceber a
terrível tensão que pairava no ar.
— De fato. — Sorriu Alex, sem tirar os olhos dela, continuando a dar a
impressão de que não havia coincidência alguma naquele encontro.
Tânia queria morrer, mas sorriu e cumprimentou Joanna com toda a
naturalidade.
— Como vai, srta. Dominic?
A moça, num estonteante vestido vermelho de chiffon, que contrastava
com os cabelos negros e a pele morena, olhou-a, aturdida.
— Bem — respondeu, num tom indiferente, mas seus olhos diziam
outra coisa.
Ela parecia furiosa e apreensiva, constatou Tânia com secreta
satisfação. Mas por quê? Joanna Dominic sempre estivera numa
posição privilegiada em relação a Alex. Por que agora demonstrava
insegurança?
Felizmente, Alicia distraiu a atenção de Alex, e Tânia seguiu Leon até o
barzinho.
— E então? O que vai tomar?
— Um uísque duplo — pediu ela, sem hesitação.
Leon ergueu as sobrancelhas numa interrogação silenciosa, mas não
argumentou e serviu-lhe o copo até mais da metade. Ela tomou um
longo gole, esperando que a bebida a ajudasse a enfrentar a situação
com mais calma.
— Há quanto tempo você conhece Alex? — perguntou Leon, com
curiosidade.
— Já faz alguns anos. E você?
— Oh, nós somos amigos há muito tempo. — E, tomando-a pelo braço,
convidou: —Vamos nos sentar?
Ela deu um jeito de acomodar-se perto de Jake, deixando o lugar vago
junto a Joanna para Leon. Alex, de pé, do lado oposto, ainda
conversava com Alicia, e Tânia surpreendeu-se ao admirá-lo
disfarçadamente. Ele estava magnífico, parecendo mais forte, bonito e
elegante do que nunca. Viu quando ele sorriu, e, apesar de aquele
sorriso tão charmoso não ser dirigido a ela, seu coração se acelerou.
Tânia conhecia bem aquele estado de espírito de Alex. Por trás da
aparente descontração, seus sentidos estavam ativos, e ele observava
com extrema atenção as pessoas que o rodeavam.
Mas, apesar de suas recordações ainda permanecerem tão vivas,
aquele homem rico, belo e bem-sucedido, que naquele momento se
sentava à sua frente, agora não passava de um estranho. Seus olhos
cinzentos, de uma incrível sensualidade, ainda tinham o poder de
despertar as emoções de qualquer mulher. Tânia via nitidamente o
efeito que aquele olhar causava na própria Alicia Miller.
Tomou mais um gole da bebida, trêmula de nervosismo. Pensar que
Matty dormia lá em cima, sem que Alex sequer desconfiasse de sua
existência... Mas, se Alicia, Leon e Jake conheciam o menino, como
seria possível manter aquele segredo por mais tempo? Se alguém
deixasse escapar uma só palavra sobre o garoto, tudo estaria perdido!
Tânia apertou o copo, tensa, enquanto gotículas de suor apareciam-lhe
na fronte. Estava apavorada. Previa que aquele jantar ia ser um
desastre!
Ao relancear o olhar pela sala, deteve-se para contemplar a fisionomia
de Alex, que por coincidência também a fitava. Notando-lhe a
expressão sombria e severa, procurou disfarçar, iniciando uma
conversa com Jake, o que resultou em perda de tempo, pois o humor
do rapaz não tinha melhorado nada desde a cena do desjejum.
Quando todos foram sentar-se à mesa do jantar, ela sentia os nervos à
flor da pele, temendo o momento em que alguém mencionaria Matty.
A comida da sra. Rodale estava excelente, mas Tânia apenas beliscou
os pratos. Havia perdido todo o apetite.
Por sorte Alicia e Joanna dominavam a conversa, sem nunca incluí-la,
como se ela não estivesse presente. Tânia, que até então só falara por
monossílabos, fechou-se num mutismo total, sem no entanto deixar de
observar Alex por baixo das pálpebras semicerradas.
Ao terminar o jantar, quando todos se levantaram para ir tomar o café
no salão de visitas, ela escapuliu disfarçadamente para a varanda,
rezando para que a noite terminasse logo.
Um ruído advertiu-a de que alguém a havia seguido. Voltando-se
sobressaltada, ela foi logo dizendo:
— Por favor, vá embora daqui.
Imperturbável, Alex deu uma longa tragada no cigarro, antes de
perguntar:
— Por que está sozinha aqui fora?
— É que eu não estava com vontade de tomar café — respondeu, sem
encará-lo.
— Gostei do seu vestido. A cor preta lhe cai muito bem — disse ele,
insinuante.
"Combina com meu estado de espírito", pensou ela, de péssimo humor,
— Poderia me dar um cigarro? — pediu ela, sem fazer caso ao elogio.
.
Seus olhares se encontraram quando ele lhe acendeu o cigarro com um
isqueiro de ouro.
— Está gostando de trabalhar para Leon?
A pergunta parecia casual, mas Tânia sabia muito bem com quem
eslava lidando. Será que ele já sabia de Matty?
— Não percebe que não estou com disposição de falar, muito menos
com você? Se não se importa, gostaria de ficar sozinha. Você deve
estar fazendo falta lá dentro, À srta. Dominic... — Interrompeu-se,
furiosa consigo mesma por ter-se traído inconscientemente.
— Meu Deus, Tânia, quem a ouvisse falar poderia até pensar que você
está com ciúme — provocou ele, passando os dedos pelas faces rubras.
— Não me toque!
— Não entendo o que está acontecendo! Você me olha com ódio,
assusta-se como uma criança apavorada toda vez que me aproximo...
Por quê, Tânia?
— E por que você não me deixa em paz?,Não entende minhas
indiretas? Preciso falar mais claro?
— O que fica claro para mim é que você está supervalorizando sua
sutileza.
Seu tom de voz era tão irônico, que ela teve certeza de que Alex
estava rindo dela por dentro, e logo seus olhos ficaram marejados de
lágrimas. Nesse momento, Jake apareceu.
Ao vê-la tão pálida e chorosa, sentiu-se um intruso, e, muito
encabulado, balbuciou:
— Sinto... sinto muito, Tânia. É que Matty está chamando por você.
Acho que teve um pesadelo. Belle está lá em cima, mas ele quer você.
Tânia ficou branca como cera. Aquele era o momento tão temido, o
momento que ela vinha receando há tanto tempo.
— Subo já — disse, sem olhar para Alex.
E em menos de cinco minutos já estava junto à cama do filho. Matty
sentara-se, o rostinho banhado em lágrimas. Ela o embalou
amorosamente e cantou uma canção de ninar, até vê-lo adormecer
novamente.
Matty era um retrato fiel de Alex, e seu coração se apertou de pena e
ternura. Deixando acesa a luz do abajur, foi para a saleta. Não queria
descer de modo algum, sobretudo porque a essa altura Alex já devia
estar sabendo que ela tinha um filho. Mas, por outro lado, não podia
ser grosseira com Leon, sumindo sem dar satisfação.
Muito a contragosto, desceu. Para seu alívio, não viu Alex no salão.
Alicia e Joanna estavam conversando no sofá. Leon e Jake riam e
tagarelavam perto do barzinho. Tânia dirigiu-se então para o lado dos
dois homens.
— Como está Matty? — perguntou Jake, assim que a viu.
— Bem. Já adormeceu de novo. — Sorriu para ambos. — Mas, se me
dão licença, acho que também vou para a cama. Estou com uma
terrível dor de cabeça.
Antes de sair, cumprimentou Joanna, cerrando os dentes, notando que
a morena ficava eufórica por vê-la fora do páreo.
Mas, quando ia subir as escadas, encontrou. Alex impedindo-lhe a
passagem, com cara de poucos amigos.
— Jake me contou que você tem um filho — disse ele, zangado.
— E daí? O que você tem a ver com isso?
— E o que aconteceu com seu amante, com o responsável pelo
nascimento da criança? Ele a abandonou? É por isso que você precisa
trabalhar aqui? Para sustentar o menino?
Tânia olhou-o, boquiaberta com tantas perguntas, mas, quando
percebeu que Alex não imaginava, nem de leve, que era o pai de
Matty, deu um sorriso nervoso, odiando-o por aquela ignorância que só
deveria ter-lhe proporcionado satisfação e alívio.
— O pai de Matty é um mau-caráter — declarou com amargura. — Eu
não faço a mínima questão dele. E agora, se me permite...
— Tânia!
Ele tentou detê-la, no mesmo momento em que a voz melosa de Alicia
o chamou:
— Venha juntar-se a nós no salão, Alex.
Tânia acabou de subir as escadas, sem olhar para trás.
Quando chegou ao quarto, trancou a porta por dentro, coisa que nunca
fizera, e deixou-se cair sentada na poltrona, cobrindo o rosto com as
mãos. Estava arrasada.
Alex agora sabia que ela tinha um filho, e, estranhamente, sequer
suspeitava que era o pai. E por que haveria de suspeitar, se, afinal,
fazia três anos que não se viam? Como ele poderia imaginar que desde
então ela nunca mais tivera alguém?
E ele? Apesar de não ter se casado, Alex tinha Joanna Dominic. Será
que Joanna ainda trabalhava na firma dele?
Quantas perguntas sem resposta!
Tânia ainda se lembrava do dia em que conhecera Joanna Dominic,
quatro semanas após a partida de Alex para a América do Sul. A moça
pertencia a uma família rica, sendo filha de um de seus melhores
amigos. Trabalhava na empresa, e, pelo que ele dizia, era muito
competente.
Aquelas quatro semanas tinham sido as mais longas de sua vida. Tânia
se cansara de tanto esperar por uma comunicação dele. Poucas
notícias eram publicadas sobre aquela longínqua república sulamericana,
mas, por via das dúvidas, ela consultava diariamente os
jornais. Alex prometera que lhe telefonaria. Prometera...
À medida que o tempo passava, ela ia ficando cada vez mais
angustiada, mal conseguindo dormir, e executando de forma mecânica
seu trabalho na agência de propaganda. Tudo o que queria era voltar
logo para o apartamento, jogar-se na cama e chorar... chorar...
Talvez ele tivesse sido ferido, ou até, quem sabe, estivesse morto. Mas
esse pensamento sombrio logo foi descartado. Se isso tivesse
acontecido com uma pessoa tão importante como Alex Jordan, no dia
seguinte a notícia seria divulgada pela imprensa.
Através da televisão, Tânia soube que a guerra civil ainda continuava,
e que os meios de comunicação vinham sendo severamente
censurados.
No dia em que descobriu que estava grávida, suas emoções oscilaram
desde o desespero e o sofrimento até a louca alegria de estar
carregando o filho de Alex no ventre. Ainda lhe restava um fio de
esperança.
Impulsivamente, escreveu-lhe uma longa carta, ansiosa por entrar em
contato com ele de alguma forma. Mas não contou que estava
esperando um bebê. Aquele não era um assunto para ser tratado por
carta. Só lhe confessou que o amava, fazendo-lhe mil recomendações
para que tomasse cuidado com sua segurança pessoal. Queria Alex de
volta, são e salvo.
Telefonou para o apartamento dele, em Knightsbridge, tentando obter
o endereço da filial da América do Sul. A governanta tratou-a com
amabilidade, sugerindo que ela ligasse para a matriz de Londres e
falasse com a secretária particular de Alex.
A secretária não estava no escritório na hora em que ela telefonou, e
como Tânia teria de passar pelo prédio da empresa, em seu caminho
de volta para casa, não deixou recado.
Recordava-se nitidamente de Joanna Dominic, sentada muito ereta à
sua mesa de trabalho, linda, com aqueles cabelos negros brilhantes
que lhe emolduravam o rosto perfeito. Havia alguma coisa nos modos
da moça, uma atitude de superioridade, de altivez, que fez com que
Tânia se sentisse muito pouco à vontade com ela.
Joanna Dominic ergueu as sobrancelhas cuidadosamente depiladas,
quando Tânia lhe explicou o problema da carta, e, estendendo a mão
longa, de unhas bem pintadas, propôs:
— Deixe-a comigo. Amanhã vou enviar um malote especial para Alex,
e, se quiser, posso incluir sua carta.
Tânia hesitou por um momento, não gostando nada de ter que
entregar a carta àquela bela mulher, mas depois, com uma sacudida
de ombros, decidiu-se.
— Agradeceria imensamente. — E passou-lhe o envelope, que a
morena segurou com aqueles dedos muito compridos, que lhe
lembraram as garras de uma ave de rapina e lhe causaram um arrepio
de medo.
— Há quanto tempo você conhece Alex? — perguntou a secretária,
vendo o olhar de Tânia enlanguescer, demonstrando seus sentimentos,
apesar de sua resposta evasiva.
Tânia voltou para o apartamento com a certeza de que Alex entraria
em contato com ela, tão logo recebesse a carta. Mas duas semanas se
passaram sem que ele desse qualquer notícia.
Numa segunda-feira, particularmente nublada e chuvosa, ela estava
trabalhando na agência, quando Joanna Dominic apareceu.
— Tenho uma hora marcada com Mark — disse, friamente, e, enquanto
Tânia se comunicava com o chefe pelo interfone, a visitante tirou um
envelope da bolsa.
— Chegou este telex para você. É de Alex — informou, com um sorriso
suave, depositando-o sobre a mesa. Em seguida, desapareceu na sala
de Mark, deixando para trás um rastro de perfume francês.
As mãos de Tânia tremeram de ansiedade enquanto ela abria o
envelope, e seu coração deu saltos de alegria. Esperara tanto para
receber notícias, tanto.
Porém, ao ler o telex, ficou pálida como um cadáver, e seu estômago
contraiu-se, num espasmo. Leu e releu a mensagem, incrédula,
achando que estava tendo um pesadelo.
Muito conciso e sem rodeios, Alex anunciava que iria ficar na América
do Sul por mais tempo do que o previsto. E que o caso amoroso deles
tinha sido bom enquanto durara, mas, no que lhe dizia respeito,
considerava tudo terminado.
Que sujeito covarde! Não tivera nem a coragem de dizer-lhe aquilo
cara a cara.
Joanna Dominic estava saindo da sala de Mark, muito risonha, e Tânia
corou de vergonha e humilhação. Ela devia conhecer o texto daquele
telex. Não era de admirar que estivesse tão contente!
A vontade de Tânia foi abandonar o escritório na mesma hora, mas o
orgulho a reteve, fazendo-a enfrentar Joanna, muito tensa, odiando-a
por dentro.
O olhar da secretária de Alex era ferino quando perguntou:
— Más notícias, queridinha?
— Então, não está sabendo? — retrucou, com ironia, mas a outra não
se abalou.
— Passe uma esponja, e ponha isso no rol das experiências — sugeriu,
cinicamente, com um sorriso detestável. — Um homem como Alex
pode dar-se a esse luxo. Garotas do seu tipo, ele tem às dúzias. Você
devia se considerar feliz pela atenção, mesmo que passageira, que
recebeu dele.
— Como se atreve...! — revidou Tânia, revoltada, imaginando até que
ponto Alex se abrira com sua linda secretária.
Secretária? E o que mais?
Joanna Dominic sacudiu os ombros, com indiferença,
— Deixe disso, garota. Você não é a primeira, e nem será a última. Só
que existe um detalhe... É que ele sempre volta para mim.
Então, ela acertara! Mais do que uma secretária, aquela mulher era a
amante de Alex, e o que dissera servia de aviso para que Tânia não
tentasse outra aproximação.
— Saia daqui! — gritou Tânia, baixando a cabeça, sem poder mais
suportar aquele ar de triunfo.
— Francamente, queridinha! Se Mark a ouvisse, não sei o que seria de
você! Joanna seguiu em direção à porta, mas, antes de sair, advertiu:
— Não tente outra, vez entrar em contato com Alex. Ele lhe deu um
fora, e, se bem o conheço, não iria gostar se você começasse a
persegui-lo.
Quando a porta bateu com estrondo, foi para Tânia como o sinal do
desmoronamento de sua vida.
As semanas seguintes foram a continuação do pesadelo. Ela rasgou e
jogou fora o telex. Não queria que sobrasse qualquer vestígio de Alex.
Nunca pensara que ele pudesse ser tão cruel, tão frio, o que provava
quão pouco ela o conhecia.
Durante todo o tempo em que tinham estado juntos, ele sempre a
estimulara a abrir-se, a revelar-se, mas pouco falara de si mesmo.
Para ele, aquele relacionamento tinha sido apenas uma aventura, um
caso... "bom enquanto durou".
Sentimentos negativos de amargura, ressentimento e ódio tomaram
conta de seu coração. Sim, porque Tânia o amara de verdade, e aquele
amor tinha sido o primeiro e seria, definitivamente, o último. E a
dificuldade de encarar aquela realidade, sobretudo levando o filho dele
no ventre, agravava-se com a dor de saber que Joanna Dominic era a
amante de Alex, antes, durante e depois.
Os nove meses de gravidez foram um verdadeiro tormento. Ela perdeu
o emprego, o apartamento e a confiança nos homens e em si mesma.
Ainda assim, durante as dores do parto, chamara por ele, esperando
um milagre que nunca aconteceria.
Sua primeira idéia foi entregar a criança para adoção, desejando
destruir qualquer laço que ainda a ligasse a Alex. Mas quando lhe
puseram o bebê nos braços, ela o amou, tanto quanto amara Alex.
Depois de três meses do nascimento de Matty, mesmo magoada,
sentiu-se impelida a procurá-lo. Foi até a sede da empresa dele, mas
na ante-sala, separada do escritório pelo vidro fume, entreviu duas
pessoas enlaçadas amorosamente: Alex e a secretária.
Tânia girou sobre os calcanhares e saiu do prédio como uma alucinada.
Qualquer esperança que ainda alimentasse tinha ido por água abaixo.
Ela vira, com os próprios olhos, os dois juntos, Joanna Dominic dissera
a verdade: não havia necessidade de outras provas.
Uma semana depois viajava a Paris, para assumir o novo emprego de
babá.
E agora encontrara-o novamente na casa de Leon. Debruçada no
parapeito da janela do quarto, Tânia contemplava a noite amena e a
lua brilhante, quando ouviu vozes vindas de lá de baixo. Eram Joanna e
Alex que estavam indo embora. Ele sorriu ao se despedir dos anfitriões
e logo a seguiu. Quando descia a escadinha da entrada, olhou para
cima, como se estivesse sendo atraído por um ímã.
Tânia mal teve tempo de recuar, puxando as pesadas cortinas. Pouco
depois, ouviu p motor de um carro dando a partida.
Dormiu pessimamente, amanhecendo cansada e deprimida no dia
seguinte. Fazia um belo dia de sol, mas ela tomou o café da manhã em
silêncio, cabisbaixa, fazendo o possível para não transmitir seu mau
humor a Matty.
Jake olhou para ela, franzindo a testa, e ofereceu-se para levar o garoto
e Belle à piscina.
Ela agradeceu, com uma sensação de alívio e culpa ao mesmo tempo,
pois era sua função tomar conta das crianças. Passou a manhã toda no
quarto, alegando uma forte dor de cabeça, incapaz de concentrar-se
nos mil e um afazeres que a esperavam. Realmente, não ia conseguir
fazer nada. Estava exausta.
Ao descer para o almoço, Alicia encontrou-a no final das escadarias.
— Sente-se melhor? — perguntou a manequim, com polidez, os belos
olhos observando o jeans muito justo de Tânia.
— Oh, sim, obrigada.
— Ainda bem. É que eu gostaria de dar uma palavrinha com você antes
do almoço.
— Estou às ordens.
Passou a mão pelos cabelos ruivos, tendo a nítida impressão de que
aquela "palavrinha" não lhe seria nada agradável.
— Aceita um drinque? — ofereceu Alicia, fazendo um gesto gracioso
e*m direção à sala de visitas.
— Um cherry, por favor.
Depois de encher os cálices, a sra. Miller foi sentar-se bem em frente
ao sofá onde Tânia havia se acomodado.
— Eu queria falar com você, antes que Leon volte de viagem. Ele está
muito satisfeito com seu trabalho, coisa com que concordo
plenamente. As crianças gostam demais de você, e Jake, então, chega
a exageros. Sei que meu marido garantiu que você poderia continuar
aqui pelo tempo que lhe aprouvesse, mas... — Houve um breve e
educado silêncio, como se ela não quisesse cometer alguma grosseria.
— Mas a senhora quer que eu comece a procurar outro emprego, não é
mesmo?
Era compreensível a preocupação de Alicia em querer retomar o
controle da casa. Como ela já não era assim tão nova, sentia-se
insegura diante da extrema juventude da governanta, vendo-a como
uma ameaça à segurança do seu casamento, principalmente naquele
recomeço de vida.
— Bem... é isso mesmo. Evidentemente você não precisa se apressar e
tomar decisões precipitadas. Mas, como há de convir, com a minha
presença na casa, seu trabalho torna-se desnecessário. Eu mesma
posso me encarregar das crianças.
Tânia terminou de tomar o cherry e levantou-se.
— Vou começar a procurar outra colocação imediatamente —
anunciou.
Mas não ia ser fácil. Precisaria de muita energia e entusiasmo, coisas
que sabia estarem lhe faltando. Aquele emprego... a amizade de
Leon... tudo tinha sido bom demais para ser verdade.
— Fico contente por você ter compreendido.
Alicia também se levantou e passou a mão pela saia, num gesto que
denunciava seu constrangimento. Para não piorar as coisas, Tânia saiu
do salão e foi à procura de Matty.
À tarde, quando a casa se esvaziou, sentou-se ao sol e começou a
brincar distraidamente com o filho, pensando naquele novo problema,
sem no entanto chegar a nenhuma solução prática. O menino, sentindo
a falta de envolvimento da mãe, perdeu o interesse pelo brinquedo.
— Tenho sede! — disse, rabugento.
— Então, vamos entrar que eu lhe arrumo um copo de leite, está bem?
— sugeriu ela, reanimando-se, depois de tanto pensar e preocupar-se.
— Me carrega no colo, mamãe! — pediu Matty, manhoso.
Ela sorriu e suspendeu o filho, abraçando aquele corpinho com afeto. O
garoto começou a soltar gritinhos de alegria, readquirindo o bom
humor. Quando contornaram a casa para entrar pela porta da cozinha,
depararam com a última pessoa no mundo que Tânia queria encontrar
pela frente: Alex Jordan.


CAPÍTULO VI
Tânia fitou-o, aturdida, sem deixar de notar que Alex estava muito
atraente naquela roupa esporte, com a camisa aberta no peito.
Positivamente, naquele dia os astros estavam contra ela, pensou, no
auge do pessimismo.
Matty, muito quieto em seus braços, olhava com curiosidade para Alex,
que permanecia parado, movendo apenas os olhos, alternada-mente,
do rosto dela para o do menino.
Tânia sentiu as pernas fraquejarem, como se fosse desmaiar.
— Santo Deus! — murmurou Alex, balançando a cabeça, incrédulo.
A partir desse momento ela não ouviu mais nada. Às pressas,
depositou Matty na grama, com a repentina sensação de que o chão
lhe fugia dos pés, e, antes que tudo se apagasse a seu redor, ainda
ouviu o filho gritando pelo seu nome.
Quando recobrou os sentidos, estava no salão de visitas, recostada a
um dos sofás, sem saber como tinha ido parar ali.
Debruçado sobre ela, Alex mantinha Matty a seu lado, seguro pela
mão. O garoto fitava-a com os olhinhos cinzentos rasos d'água.
— Como está se sentindo? — perguntou Alex, apreensivo.
— Melhor. Eu... eu gostaria de beber um pouco de água.
Alex concordou com um gesto de cabeça, enquanto lhe tomava o
pulso. — Quer que eu chame um médico?
— Não, não. Foi apenas uma vertigem. Acho que apanhei sol demais na
cabeça — respondeu ela, muito nervosa diante daquela presença
perturbadora.
— Mãezinha, o que foi?
A expressão tristonha do garoto despertou-lhe uma imensa vontade de
chorar. Comovida, Tânia estendeu os braços carinhosamente,
abraçando-o e aninhando-lhe a cabeça entre os seios.
— Agora está tudo bem, amorzinho.
Matty não demorou a se consolar, e a primeira coisa que fez foi encarar
Alex com os olhinhos arregalados, como se adivinhasse que aquele
homem moreno era sangue do seu sangue.
— Precisamos conversar muito seriamente — disse Alex ao entregarlhe
um copo com água.
Tânia ficou alarmada.
— Conversar... sobre o quê?
— Pelo amor de Deus, não se faça de desentendida!
— Só espero que não seja na frente de Matty — cedeu ela,
desesperada.
— Como preferir. Mas, cedo ou tarde, queira ou não queira, nós vamos
discutir esse assunto.
A segurança com que ele falava provocou-lhe um profundo rancor. Era
muita arrogância pretender intimidá-la àquela altura dos
acontecimentos.
— Você não tem o direito de me dar ordens, nem de determinar
o que devo ou não fazer!
— Nem você pode decidir sozinha sobre algo que diz respeito a nós
dois — retrucou Alex, olhando na direção do garoto.
— Vá embora e deixe-nos em paz! — disse ela, apertando Matty contra
si de modo protetor.
— Agora é tarde demais...
— Por que é tarde? Até hoje, você não se importou com nada! O que o
fez mudar tão de repente?
— Você não é mais criança, Tânia, portanto comporte-se como uma
adulta.
— Ora... vá para o inferno!
Como aquele homem ainda tinha a petulância de falar com ela naquele
tom autoritário? Pelo que lhe constava, absolutamente nada havia
mudado para que tivessem qualquer coisa em comum.
Entretanto, Alex parecia não. compartilhar dessa opinião, fitando-a com
a fisionomia rude, a respiração agitada, e uma completa indiferença
em relação ao desespero estampado na expressão dela.
— Vá embora! — repetiu Tânia, no exato instante em que a porta se
abria.
— Ouvi os gritos de vocês — comentou Jake, entrando no salão. — O
que aconteceu? Sente-se bem, Tânia?
— Ela está ótima — interveio Alex.
Tânia abriu a boca para protestar, mas resolveu calar-se na última
hora. Não pretendia armar uma briga na presença do rapaz, e menos
ainda na de Matty.
— Você me faria um grande favor, Jake? — disse Alex, subitamente
sorridente, recorrendo a todo o seu poder de persuasão.
— Claro, o que você quer?
— Será que você poderia dar um copo de leite a Matty e depois levá-lo
para o jardim? Tânia e eu precisamos conversar em particular.
— Certo — concordou ele sem muita convicção, enquanto segurava o
garotinho pela mão.
Já na porta, encarou Tânia com curiosidade, despertando-lhe um
impulso de chamá-lo de volta, suplicando-lhe que não a deixasse à
mercê de Alex. Mas mordeu o lábio e se conteve.
— Muito dedicado, o rapazinho — caçoou Alex, como se tivesse lido
seus pensamentos.
— Deixe Jake fora disso, está bem?
— Por quê? Está sendo difícil se livrar da paixonite que ele tem por
você?
— Ele não... — Tânia parou de repente, sabendo que de nada
adiantava mentir. Não só todo mundo da casa já notara os sentimentos
de Jake, como até haviam contado a Alex.
— Mas saiba que eu não o encorajei, se é isso o que você está
imaginando — afirmou, categórica.
— Eu não imaginei coisa alguma.
Depois de alguns segundos a fisionomia dele se suavizou e sua voz
tinha uma nota de carinho ao oferecer:
— Quer fumar?
— Sim, obrigada.
Após acender um cigarro para ela e outro para si, Alex começou a
andar pelo salão, parando junto à janela. Do jardim, vinham as vozes
de Jake e Matty. Passados alguns instantes, ele perguntou, nervoso:
— Por que você nunca me contou nada?
— E por que cargas d'água você tem tanta certeza de que ele... de que
ele é seu filho?
— Pelo amor de Deus, Tânia! Não me venha com baboseiras! Eu
descobri que Matty é meu filho assim que o vi.— Passou a mão pelos
cabelos negros e completou, num tom acusador: — E em todos esses
anos você não me disse uma só palavra sobre ele!
— E o que você esperava? Já passei por idiota uma vez, e não
pretendia bancar a vítima pelo resto da vida!
— Que diabo você está querendo dizer com isso?
— Essa é muito boa! Não foi difícil imaginar qual seria sua reação se eu
lhe comunicasse minha gravidez. Como você encararia? Pediria que eu
abortasse? Ou me ofereceria dinheiro para pôr uma pedra em cima de
tudo?
Embora soubesse que estava agindo de maneira injusta, Tânia sentiase
ferida demais para medir a extensão das próprias palavras. Só
cessou as acusações quando Alex, endurecendo as feições, atravessou
o salão como uma bala, obrigando-a a levantar-se, com um violento
puxão.
— Pare de me insultar, sua tonta!
Assustada pela reação intempestiva daquele homem normalmente
imperturbável, Tânia retrocedeu um passo, cobrindo o rosto com as
mãos, num.gesto desesperado. Pouco depois, quando seus olhares se
encontraram, ambos permaneceram imóveis por alguns segundos,
como se temessem a força violenta que os impelia um para o outro. O
primeiro a quebrar o encantamento foi Alex, que perguntou num tom
frio:
— Você realmente pensou* tudo isso de mim?
— Lógico! Desde cedo compreendi que você tinha outros interesses
— revidou Tânia, tentando controlar-se para não revelar seu ciúme por
Joanna Dominic.
— Foi mesmo? Então conte-me como chegou a essas conclusões..
— Alex, por favor! Nosso relacionamento acabou e eu não o quero
mais, do mesmo jeito que você não me quis. Para ser franca, eu não
desejava o bebê, até o momento em que o puseram em meus braços.
Depois disso, eu,. .eu decidi criá-lo sozinha. Não precisei de você
naquela época, nem preciso agora.
— Deixe de egoísmo, e lembre-se de que a criança precisa de um pai.
— Não sei por que vem com essa história agora, se antes você nunca
se importou.
— Com os diabos! Antes, eu não sabia da existência dele. Você
merecia um castigo por causa disso!
— Alex, por favor.
— Eu quero o garoto, Tânia — disse ele, num tom seco. — Você não
pode tirá-lo de mim!
— Irei até o fim do mundo para recuperar meu filho, e, caso você
queira disputá-lo nos tribunais, advirto-a de que não terá nenhuma
chance.
— Posso dar a Matty tudo o que ele precisa.
— Ele precisa de um pai.
— Pois, então, vou me casar! Farei qualquer coisa por ele!
— Já tem algum pretendente em vista?
— Não é da sua conta.
— Mesmo assim, dei-me ao trabalho de pesquisar e descobri que na
sua vida não existe ninguém: nem namorado, nem amante, nem
coisíssima alguma.
— Leon vai me ajudar.
— Esquece que Leon é casado? Além disso, duvido muito que Alicia vá
gostar da idéia. Aliás, estranhei o modo como ela a tolerou até agora.
Tânia fechou os olhos, sentindo-se uma náufraga no imenso oceano,
sem qualquer porto seguro à vista.
— Seu nojento! — Não lhe importava agredi-lo verbalmente, pelo
menos assim externava toda a sua amargura.
A Alex não fazia diferença que ela se sentisse sozinha e vulnerável,
pois ele insistia em feri-la no que Tânia possuía de mais sagrado. Bem
que ele merecia o insulto!
De repente as feições dele se endureceram, e sua voz soou cheia de
determinação.
— Vou querer meu filho! Você escolhe: ou o entrega ou se casa
comigo. De qualquer forma, ele ficará junto de mim!
Aquela proposta inesperada deixou-a boquiaberta.
— Casar... casar com você? Deve estar brincando! Sei muito bem com
que tipo de gente estou tratando, e não o aceitaria como marido nem
que fosse o último homem sobre a face da Terra!
— Em seu lugar eu consideraria melhor essa recusa — replicou ele,
com um sorriso sarcástico. — Afinal, existe Matty para ser levado em
conta. E eu posso oferecer-lhe conforto, segurança, uma boa educação,
e tudo o mais que uma criança necessita, sem contar que sou seu
verdadeiro pai. Você seria capaz de negar-lhe esses direitos?
Essas palavras feriram-na profundamente. Representavam tudo o que
ela quisera dar ao filho e não pudera. E muito menos agora, com a
perspectiva de novamente ficar desempregada.
— Você é desprezível!
— Só por que estou com a razão?
— Não, por me colocar num dilema: casar com um homem a quem
detesto, ou perder o filho que tanto amo. — As lágrimas começaram a
lhe subir aos olhos.
— Você me odeia tanto assim, Tânia? — perguntou Alex, num tom
muito sério.
— Depois de tudo o que você fez, sim. Eu o odeio!
— E o que foi que eu fiz?
Como Tânia permanecesse em silêncio, ele insistiu:
— Diga-me! Vamos descer até o fundo desse poço de amarguras!
— Você me usou, e depois se descartou de mim como se eu fosse um
objeto.
— Não é verdade. Eu nunca agi assim...
— E o que importa isso agora? — interrompeu ela, temendo que ele
trouxesse à tona aquelas dolorosas recordações. — Isso tudo pertence
ao passado.
— Mas esse passado deve ocultar alguma coisa, para mim
desconhecida, que a tornou amargurada, a ponto de negar a seu filho
os direitos que ele tem.
Disfarçadamente, ela enxugou ás lágrimas que teimavam em lhe
escorrer pelo rosto. Tentava raciocinar com clareza, mas sua mente
parecia um caos.
— Seja como for, não compreendo o motivo de você me propor
casamento. De acordo com sua própria opinião, seu direito sobre Matty
pode ser conquistado judicialmente. Logo...
— Não lhe fiz essa proposta pelo prazer de vê-la sofrer as penas do
inferno, caso venha a se casar comigo. Não tenho intenção de unir-me
a uma mulher que me odeia tão declaradamente. Entretanto, acho que
valeria a pena enfrentar o risco e, tentar fazê-la mudar de opinião a
meu respeito.
O olhar de Alex tornou-se tão insinuante que Tânia sentiu-se como se
estivesse despida.
— E por quê? — perguntou, corando.
— Você e Matty se amam muito. Não pretendo separar mãe e filho,
apesar de você me considerar um mau-caráter. Só farei isso em caso
de extrema necessidade, se não me restar outra alternativa.
— Entendo...
Ela não pretendia ser sarcástica, mas o tom de sua voz deve ter dado
essa impressão, pois Alex enrijeceu o corpo e seus olhos cinzentos
tornaram-se sombrios.
— Por Deus, menina teimosa, acredita que será tão horrível assim? Pior
do que já foi? É fácil ler em seus olhos Q quanto você deve ter sofrido
nestes últimos anos. E o que estou oferecendo é segurança e
tranqüilidade para você e para Matty durante o resto da vida. Fique
descansada: é a ele que eu quero, não a você.
Por alguma razão, totalmente inexplicável, aquelas palavras tiveram o
poder de feri-la ainda mais.
— Concordo que casando-me com você resolveria uma boa parte de
meus problemas. Em compensação, surgiriam outros, talvez ainda
piores. Dá para entender?
Ao imaginar que aquele homem de rosto moreno, de belos traços,
poderia ser seu marido, sentiu um arrepio percorrer-lhe a espinha.
Mas era uma reação sem fundamento, na medida em que Alex deixara
bem claro que apenas Matty lhe interessava. E foi pensando no filho
que ela concedeu:
— Vou precisar de um tempo para decidir.
— Muito bem! Voltarei amanhã, à mesma hora.
— Amanhã?
— Exato! — Depois, deslizando os longos dedos em suas faces ainda
úmidas pelo pranto, acrescentou, muito seguro de si: — Sei que você já
tomou sua decisão.
Tânia retrocedeu, evitando o toque perturbador, e, furiosa com aquela
autoconfiança, disse num tom de desafio:
— Se eu quisesse, poderia fugir com Matty hoje à noite.
— Eu a encontraria, até mesmo no fim do mundo. — E, com um sorriso
irônico, concluiu: — Você não seqüestraria meu filho. Sua dignidade
não lhe permitiria agir de forma tão pouco honrada.
— Ora, você não me conhece mesmo!
— Conheço muito bem a mulher que se esconde por trás dessa
fachada de indiferença — disse ele, numa clara alusão ao passado.
— As pessoas mudam muito com o correr dos anos. E se eu me casar
com você, se, note bem, espero poder fazê-lo sofrer o mesmo que eu
sofri por sua causa... — Parou, mordendo o lábio.
— Vingativa, hein? Por quê? O que está planejando?
— Você nunca vai descobrir.
Alex sorriu, os olhos transbordantes de uma estranha ternura, e
pousou-lhe os lábios sobre a testa. Em seguida, encaminhou-se para a
porta, deixando-a atônita.
— Nós nos veremos amanhã.
Tânia foi até a janela, a mente ainda confusa com aquele inesperado
pedido de casamento. Avistou Matty jogando bola com Jake, e seus
olhos ficaram marejados de lágrimas. Qual seria a melhor atitude a
tomar, se estava condenada a sair daquela casa, a abandonar seus
amigos? Como a vida era injusta! Alex vira Matty pela primeira vez
naquele dia, e já se considerava dono do menino!
E se ela apelasse para a Justiça? Quais as possibilidades de ganhar a
causa? Provavelmente nenhuma, pois não possuía dinheiro nem
influência, logo, não deveria arriscar. Ao mesmo tempo, era
inquestionável a necessidade de dar um pai a Matty... Se levasse
apenas o filho em consideração, a única saída seria casar-se com Alex.
"E eu? O que será de mim? Meu destino é esse, casar-me com um
homem que odeio?"
Quando formulou esse pensamento, a palavra "ódio" repercutiu em sua
mente, fazendo-a perguntar a si mesma se era esse o sentimento que
alimentava em relação a Alex. Naturalmente, ao longo dos três anos de
separação, esforçara-se por odiá-lo, mas agora, sem dúvida alguma,
não sabia se o havia conseguido.
Alex estava com a razão, ao afirmar que ela criara uma barreira de
prevenção contra o mundo. Praticamente sozinha, com tão poucos
amigos que podia contá-los nos dedos da mão, sua única fortuna era o
filho. E, se quisesse realmente ser uma boa mãe, precisaria colocar a
felicidade de Matty acima de tudo. Alex vencera! Mas estava muito
enganado se pensava que iria tirar algum proveito dela. Isso era ponto
pacífico.
Diante dessa perspectiva, Tânia chorou copiosamente. Uma hora mais
tarde, esgotada pelo pranto, recostou-se no sofá, e ainda estava
absorta em suas reflexões quando Leon apareceu. Antes mesmo de
cumprimentá-la, notou-lhe os olhos vermelhos e perguntou,
apreensivo:
— O que aconteceu com você?
— Nada demais. Só estou um pouco cansada.
— Quer um drinque? Acho que você está precisando relaxar. E eu
também. Tive um dia cheissímo.
Serviu duas doses de uísque e sentou-se ao lado dela, insistindo:
— Qual é o problema?
~- Alex esteve aqui hoje à tarde.
— Ele é o pai de Matty, certo? A cara de um, o focinho do outro —
brincou, mas logo falou em tom sério: — Não sei como não percebi isso
até ontem à noite.
— Ele me pediu em casamento.
— Ei! Que notícia maravilhosa!
— Acha mesmo? — rebateu Tânia, desanimada.
— Você não quer se casar com ele?
— Neste caso, minha vontade é o que menos importa. Alex quer Matty,
e para isso está disposto a me levar junto. Creio que eu deveria me
sentir grata por essa caridade — acrescentou, irônica.
— Tenho á impressão de que está enganada. Pelo que pude notar na
noite de ontem, Alex realmente gosta de você.
incrédula, Tânia imaginou que ele apenas tentava animá-la. Leon, sim,
era um homem bondoso. Tanto que ela não pretendia contar-lhe a
conversa que tivera com Alicia, para poupá-lo de um aborrecimento.
Além disso, casando-se com Alex, não existiria mais a necessidade de
procurar outro emprego. Aliás.se conseguisse encarar a proposta sob
um ângulo prático, até que aquele casamento seria uma boa solução.
— Você não acredita em mim, não é mesmo? — perguntou Leon,
dando um gole na bebida.
Sc quer que eu seja franca, não.
— Pois saiba que ele andou me fazendo um monte de perguntas a seu
respeito. Não sei o que houve entre vocês dois, mas posso garantir que
Alex tem um interesse sincero por você, com ou sem Matty.
— Leon... — Muito vermelha, ela tentou interrompê-lo, sentindo-se
inexplicavelmente encabulada.
— Ouça, querida. Não é de hoje que conheço Alex. É muito difícil lidar
com ele, e quase impossível compreendê-lo. Mas posso lhe assegurar
que, de uns poucos anos para cá, ele vem padecendo algum desgosto.
Mesmo assim, continua um homem sensível e preocupado com seus
semelhantes, como você deve saber bem.
— Sim, eu sei.
— Então, lembre-se disso quando tomar sua decisão.
— Eu já decidi. Vou aceitar a proposta dele... — declarou num tom frio
e distante.
— Você não o ama?
— Não... mas já o amei. Vou encarar esse casamento como uma
transação comercial. Só que não sei se vou conseguir fazê-lo.
Teve vontade de recomeçar a chorar, mas conteve-se, temendo deixálo
apreensivo, ou mesmo revelar-lhe seus verdadeiros sentimentos.
— Isso não faz parte de sua natureza, Tânia. Você é emotiva,
romântica e sensível. Não consigo imaginá-la com um comportamento
mercenário.
— É melhor que eu vá procurar Matty — disse ela, levantando-se.
— Você está ocultando alguma coisa... E isso me deixa muito
preocupado.
— Fique tranqüilo, que conseguirei resolver tudo. Sou mais forte do que
você pensa.
Pouco depois, no quarto, enquanto Tânia contemplava o filho que
dormia como um anjo, seu coração lhe disse que havia tomado a
decisão acertada. Matty merecia muito mais do que ela, sozinha,
poderia lhe dar.
Horas mais tarde, ela desceu para um passeio a pé no jardim, tentando
convencer-se de que, afinal, tudo daria certo. Perto da piscina,
encontrou Jake, cabisbaixo, ainda em trajes de banho.
— Você vai se atrasar para o jantar — preveniu ela, sorrindo.
— Não estou com fome.
— Obrigada por ter cuidado de Matty hoje à tarde.
— De nada — disse ele, lacônico, com ar de mau humor.
— Já vi que você não quer conversa. Prefere que o deixe sozinho? jake
respirou fundo. Depois, perguntou num tom de acusação:
— Alex Jordan é o pai de Matty, não é?
— Sim
— Quer dizer que vocês dois são... bem, vocês são...
— Nós dois vamos nos casar brevemente — informou Tânia, o mais
gentilmente possível, detestando ter que feri-lo.
— Quer dizer que você vai embora...
— Temo que sim.
Jake caiu num mutismo sepulcral, que a fez sentir-se solidária com a
sua dor. Afinal, sabia muito bem o que significava amar sem
esperança.
— Poderemos continuar sendo bons amigos — prometeu.
—Verdade?
— Oh, Jake... nem sei o que dizer.
O rapaz levantou-se. e, de repente, deu-lhe um beijo no rosto, antes de
sair correndo para dentro de casa.
Quando Alex chegou no dia seguinte, Tânia encontrava-se no quarto, e
Alicia foi quem se incumbiu de chamá-la.
— Alex Jordan está lá embaixo à sua espera — disse a loira, olhando-a
como se a visse pela primeira vez. Provavelmente, Leon já havia lhe
contado as novidades.
— Obrigada, Alicia. Desço já.
— Parece que dessa vez você tirou a sorte grande. Quem diria,
hein?
Tânia preferiu não responder ao comentário malicioso, encaminhandose
para o salão de visitas, onde Alex a aguardava de pé, junto à janela,
vestindo um terno escuro e elegante, que lhe assentava com perfeição.
A formalidade do traje deixou-a ainda mais nervosa e intimidada.
— Boa... boa tarde.
Quando Alex se virou, ela notou-lhe o ar cansado e as olheiras
profundas, que indicavam que ele havia passado a noite em claro.
— Boa tarde, Tânia. Tudo bem com você?
— Sim... ótimo. Alicia pediu que eu lhe oferecesse um café. Aceita?
— Sim, com a condição de não ser na presença dela.
— Por quê? O que você tem contra ela?
— Eu, nada. Só que vim apenas para ver você, e mais ninguém.
— Então, vou providenciar o café e volto já.
Embaraçada, Tânia saiu da sala, muito consciente da intensa atração
que Alex ainda exercia sobre ela. O sorriso que ele lhe deu ao declarar
que não queria avistar-se com nenhuma outra pessoa deixara-a com os
nervos à flor da pele.
Como era o dia de folga da sra. Rodale, ela mesma preparou o café na
enorme cozinha, agora já tão familiar. Sem dúvida, sentiria muita falta
daquela casa, o único lugar onde experimentara segurança desde ò
nascimento de Matty.
Ao retornar à presença de Alex, mal teve tempo de colocar a bandeja
na mesa, e ele já estava perguntando pelo filho.
— Mandei-o brincar lá fora, com Jake e Vinnie. Achei que seria melhor...
Como quer o seu café?
— Com um pouquinho de leite e duas colherinhas de açúcar.
Tânia conhecia de sobra as preferências dele. Fizera a pergunta apenas
com o intuito de amenizar um pouco a tensão reinante entre os dois.
Será que seria sempre assim? De que maneira conseguiriam viver sob
o mesmo teto se a proximidade mútua criava de imediato uma
atmosfera pesada, difícil de suportar?
Recebendo a xícara de suas mãos trêmulas, ele perguntou:
— Como é, já tomou sua decisão?
Seu tom áspero, absolutamente inadequado para as circunstâncias tão
delicadas, dava a medida do que ela podia esperar. Desgostosa, Tânia
descarregou sua frustração com palavras duras, embora não perdesse
o controle sobre suas emoções.
— Tomei, sim. Decidi me casar com você. No entanto, desde já quero
deixar bem claro que só o faço por causa de Matty. Devo informar-lhe
também que considerei abominável sua atitude comigo!
Quando concluía o desabafo, experimentou uma estranha satisfação,
ao perceber que ele ouvira tudo com uma crescente tensão. Se bem
que pareceu recobrar o autodomínio poucos segundos depois.
— Você foi bastante clara... Mais do que isso, rude até! Só lamento
decepcioná-la por não me importar a mínima com a sua opinião a meu
respeito.
— Talvez seja melhor assim. — Sem dúvida!
— E quando o senhor deseja se casar comigo?
— De hoje a uma semana.
— Uma semana? Você está maluco?
— Não vejo por que adiar mais esse martírio.
Ele parecia decidido a levar às últimas conseqüências um plano
diabólico de atormentá-la usando para isso toda a ironia de que era
capaz. Nervosa, Tânia tremia tanto que acabou por derramar café no
colo, surpreendendo-se quando Alex, em vez de lhe lançar um olhar
superior diante de seu embaraço, ajoelhou-se ao lado do sofá e
apressou-se em limpar-lhe o tecido da saia, aumentando ainda mais a
sua perturbação.
— O que está acontecendo, Tânia? Que tremedeira é essa?
— Não interessa! Deixe-me em paz!
— Escute, por favor...
— Não quero ouvir nem uma palavra mais. Você já conseguiu o que
queria, portanto vá embora!
Levantou-se rapidamente, obrigando-o a fazer o mesmo. Enquanto
dobrava o lenço de seda, Alex deu de ombros, resmungando:
— Como queira...
— Como queira? Essa é muito boa! Até parece que minhas opiniões
valem alguma coisa! Eu devia estar louca quando concordei com sua
proposta!
— Louca não, você acertou, e na semana que vem nós nos casaremos!
Visivelmente furioso, deu meia-volta e deixou a sala, em direção ao
jardim, onde Matty brincava.


CAPÍTULO VII
Na manhã seguinte, já mais calmos, porém ainda sob o mesmo clima
de animosidade da véspera, voltaram a discutir o assunto. Alex queria
que o casamento fosse realizado na Christhmas Church, a famosa
catedral de Londres, mas Tânia negou com ênfase a oferta de dinheiro
que ele lhe fez para comprar um vestido habülê.
— A troco de quê, se esse casamento é somente pró-forma? Se
depender de mim, vou para o cartório de jeans e camisa de algodão!
— Não, senhora! Você será minha esposa, e faço questão de que
compre algo bem bonito. Se for preciso, eu a acompanharei para
ajudar na escolha.
Foram inúteis os argumentos dela contra a idéia de estar trajada a
rigor para a cerimônia, assim como também fracassaram suas
tentativas de rejeitar o finíssimo anel de noivado, um enorme diamante
solitário, montado em ouro branco.
A contragosto, Tânia recebeu um cheque assinado em branco, e levou
a tarde inteira revirando as lojas, até encontrar um bonito conjunto de
seda cor creme, que, apesar de ser de alta costura, era o mais barato
entre as etiquetas exclusivas que Alex recomendara. Mesmo assim
custara uma fortuna para os seus padrões. Mas o que lhe restava fazer
se ele parecia disposto a jogar dinheiro fora?
A semana se passava rapidamente, e, não obstante seus esforços no
sentido de encarar com frieza o compromisso que assumira, a cada dia
Tânia mostrava-se mais apavorada diante daquele passo tão definitivo
e sem retorno que iria dar.
Os Miller não economizavam gentilezas para agradar-lhe, inclusive
Alicia, que certamente desejava vê-la longe o quanto antes. Mas,
mesmo assim, Tânia continuava deprimida e sem qualquer entusiasmo.
Faltava ainda combinar uma série de detalhes sobre o casamento e a
vida futura, tais como onde iriam morar, de que forma, e outros
arranjos, embora lhe parecesse dispensável trazer o assunto à tona.
Provavelmente, Alex já havia cuidado de tudo e lhe comunicaria as
decisões no momento oportuno.
Na quarta-feira, ele a convidou, juntamente com Matty, para um
passeio ao zoológico, idéia que ela aceitou sem relutância,
compreendendo o quanto era importante que o menino fosse ficando
acostumado com o pai.
Enquanto caminhavam por uma estreita trilha entre os viveiros das
aves, Tânia os observava, sentindo o coração apertado. Alex, muito
alto, andava a passo indolente, levando Matty encarapitado às costas,
ambos sorrindo de contentamento. Parecia que se entendiam bem.
Aliás, desde o começo houvera uma compreensão mútua, uma
afetividade espontânea entre os dois.
Isso lhe doía como uma punhalada. Desejava o melhor para o filho,
tinha consciência de como lhe seria benéfica a convivência com o pai,
mas ainda assim não conseguia evitar o ciúme. Era doloroso demais
ser obrigada a repartir com alguém seu bem mais precioso... E justo
com quem!
Mas, no final das contas, o passeio foi bastante agradável. Alex
comportou-se de modo tão afável e gentil, que mesmo contra a
vontade ela se viu envolvida por seu charme, não se arrependendo de
tê-lo acompanhado. Entretanto, na volta, fez questão de carregar Matty
para dentro e despachar Alex da porta da casa, ignorando-lhe a
insinuação de entrar e tomarem um chá juntos.
Quando, na tarde seguinte, ele telefonou propondo uma excursão ao
jardim botânico, Tânia foi inflexível, dizendo-lhe que dispunha de pouco
tempo pela frente e pretendia aproveitá-lo em benefício próprio. Tinha
consciência de que estava agindo de modo radical, mas ao mesmo
tempo achava mais do que justo tratá-lo daquela maneira, depois de
tudo o que ele lhe havia feito no passado.
O dia do casamento chegou num piscar de olhos, e a cerimônia foi tão
rápida, que ela só se deu conta de que estava casada, quando o viu
colocar-lhe a aliança de ouro no dedo anular esquerdo.
Um pouco depois, sentada ao lado dele no carro, sentiu um súbito
estremecimento, como se só então percebesse em toda a sua extensão
o que significava ser a esposa de Alex Jordan.
— Está com frio? — perguntou ele, desviando os olhos da estrada.
— Não, estou amedrontada. —Com medo do quê? De mim?
— Da asneira que acabei de fazer.
Alex não fez comentários, mas apertou o volante com tanta força que
seus dedos ficaram lívidos.
— Para onde estamos indo? — indagou ela, após uma pausa.
Na realidade interessava-lhe muito pouco o rumo que seguiam. Sua
maior preocupação era saber se iriam encontrar-se com Matty, que
desde cedo ficara sob os cuidados da sra. Craven, a governanta do
apartamento de Alex em Knightsbridge.
Tânia simpatizara de imediato com a velha empregada, embora
sempre que a visse lhe viesse à mente a dolorosa lembrança da
ocasião em que lhe telefonara, pedindo o endereço da filial da empresa
de Alex na América do Sul.
— Espere e verá — respondeu Alex, com um leve sorriso.
Predisposta a brigar, Tânia irritou-se com as palavras dele, esquecida
de que não se inteirara dos planos para depois da cerimônia por puro
descaso.
— Ah, essa viagem já está me cansando!
— Tenho certeza que não. Você sempre veio para Londres sem
reclamar — falou ele num tom macio, como se estivesse acalmando
uma criança assustada.
— Bem, eu só queria...
— Fique boazinha! Já estamos quase chegando. — Sua voz agora era
brincalhona, mas terna.
Menos de meia hora depois, chegavam ao elegante Clube Ritz, onde
eram aguardados para um almoço comemorativo pelo casal Leon e
Alicia Miller, por Kate e Matty, seguro pela mão da sra. Craven, além de
amigos de Alex. Emocionada diante daquela surpresa tão agradável,
Tânia sentiu as lágrimas lhe subirem aos olhos.
Foi com esforço que as controlou, enquanto caminhava pelo salão ao
lado de Alex e tentava se desvencilhar do aperto de seu braço em volta
da sua cintura.
— Pelo amor de Deus, Tânia! Procure ao menos parecer que está feliz!
isto aqui não é um velório — disse ele, entre dentes.
— Não dá para disfarçar! Não me sinto alegre!
— E quer que todos os seus amigos saibam disso?
— Tanto faz. Estou pouco me importando com o que possam pensar! O
que não era verdade: Tânia não só queria poupá-los de qualquer
preocupação, como também não gostaria de contar-lhes a história de
sofrimentos que justificava sua atitude hostil em relação àquele
casamento sem sentido. Assim, distribuiu sorrisos, conversou
alegremente e tomou champanhe sem parar.
— Linda festinha — disse Kate, aparecendo a seu lado. — E você está
muito elegante nesse conjunto.
— Obrigada! Fiquei contente por você ter vindo. Eu não fazia a menor
idéia de que ia haver esta reunião.
— Eu sei. Alex me disse que seria uma surpresa quando foi me
convidar. Você se casou com um homem e tanto!
— É... você tem razão.
Dois dias depois de Alex formalizar seu pedido, Tânia havia contado à
amiga sobre o casamento, omitindo no entanto os aspectos mais
delicados, os quais não teve coragem de revelar, unicamente para não
decepcioná-la. De fato, Kate, com uma ponta de inveja, mostrava-se
fascinada com o que chamava de gran finale, jurando que soubera que
os dois iriam terminar juntos, desde aquela noite em que o vira no
restaurante. E ainda por cima acreditava piamente que eles estivessem
apaixonados!
Como a festa prosseguisse animada, e a cada instante Tânia se
servisse de uma nova taça de champanhe, em pouco tempo começou a
se sentir de cabeça leve, quase feliz, recebendo os cumprimentos dos
convidados com sorrisos radiantes.
Devagarinho, Alex aproximou-se dela e apertou os olhos ao ver-lhe o
rosto afogueado.
— Esqueci de dizer que você está linda — sussurrou ele, junto ao seu
ouvido.
Ela ficou mais vermelha do que já estava.
— Você também está espetacular!
E sem querer pôs-se a rir até quase perder o fôlego.
— Você está bebendo demais — observou ele, condescendente. —
Ajuda a ver o lado cor-de-rosa das coisas, ou melhor, ajuda a esquecer
o lado negro.
— Acho que está na hora de irmos embora. — Tem medo de que eu o
exponha ao ridículo?
— Não. Temo que você se exponha.
— Ah, é? Quanta gentileza! Diga-me uma coisa, por que Joanna não
veio?
— Porque não foi convidada: Mais alguma pergunta?
— Não. Sinto-me tão cansada! — murmurou ela, encostando-se no
ombro dele.
As noites maldormidas daquela última semana, associadas à bebida,
logo produziram efeito, fazendo-a cambalear de sono. Fechou os olhos,
e só foi reabri-los no carro de Alex, que a conduzia, juntamente com
Matty e a sra. Craven, para o apartamento de Knightsbrigde.
Quando chegaram, suas pernas estavam tão bambas que ela não
conseguiu andar, sendo carregada no colo pelo marido até um quarto
arejado, que se encontrava às escuras.
— Onde está Matty?
— A governanta vai cuidar dele. Está tudo bem, não se aflija.
Reconfortada, ela passou os braços pelo pescoço de Alex, sentindo o
coração bater mais rápido com aquela proximidade. Parecia flutuar nas
nuvens, e mal percebeu quando ele começou a despi-la. Tudo o que
queria era dormir... dormir...
— Agora, deite.
Tânia fez como tinha sido mandado, deslizando o corpo sobre o lençol
macio e fresco. Logo em seguida, puxou as cobertas para cima e
adormeceu.
Quando acordou, o quarto estava iluminado apenas pela luz do abajur,
e Alex lia um jornal, sentado perto da cama.
— Puxa, pensei que você tivesse desmaiado! — disse ele, com um
sorriso.
Seus olhares se cruzaram, mas Tânia logo desviou a vista para a
mesinha-de-cabeceira, procurando em vão pelo relógio.
— Que horas são?
Ao sentar-se na cama, as cobertas escorregaram, só então ela teve
plena consciência de que estava nua. Alex contemplou-lhe os seios
arredondados, enquanto seus olhos cinzentos assumiam uma
expressão séria. Com o coração aos saltos, ela puxou o lençol até o
queixo,
— Já passa das oito.
— E Matty? — perguntou, aflita, mal acreditando que dormira a tarde
toda.
— A sra. Craven colocou-o na cama há algum tempo. Eu disse a ele
que você iria vê-lo assim que acordasse.
Alex continuava a fitá-la com olhar cobiçoso, de modo que ela sentiu o
corpo vibrar de desejo, uma reação que a surpreendeu pois há muito
tempo acreditava que não voltaria a excitar-se na presença dele. Ficou
furiosa consigo mesma diante dessas sensações, tratando de se
convencer de que tudo se devia à penumbra do quarto e ao fato de
estarem ali sozinhos...
— Onde estão minhas roupas? Você... foi você quem... — gaguejou ela,
sem coragem de completar a frase.
— Sim, fui eu quem a despiu. Você não estava em condições de fazer
isso sozinha.
Vermelha de raiva, Tânia imaginou que ele estivesse sentindo um
prazer diabólico em encabulá-la, ao lembrar-lhe de que ela se
embriagara na recepção.
— Bem... pelo menos o champanhe me animou um pouco e me ajudou
a esquecer as decepções.
— Eu poderia tê-la ajudado bem mais — disse ele, com um sorriso
malicioso.
— Economize seu charme para suas amiguinhas. E agora, se não
importa, gostaria que saísse para que eu possa me vestir!
Irritado com o seu tom petulante, Alex comprimiu os lábios e levantouse
devagar, mas, em vez de deixar o quarto, aproximou-se da cama.
Estava sem paletó e com o colete desabotoado. Sob a luz difusa do
abajur, parecia ainda mais másculo e atraente. Tânia apavorou-se.
— Saia daqui!
— Você faria melhor se não me provocasse, meu amor — murmurou
ele, olhando para aquele corpo cujos contornos eram visíveis sob o
leve lençol acetinado.
— Alex, faça o favor...
— Se é um favor o que você quer, estou às suas ordens — disse ele,
com voz tão sensual, que a fez arrepiar-se até os ossos.
Com um movimento rápido, puxou-lhe o lençol de cima. Ela ficou
paralisada pela surpresa, enquanto os olhos cinzentos, agora radiantes
de desejo, percorriam-lhe o corpo exposto.
— Você já era linda há três anos, mas agora tem o corpo de uma
mulher feita — murmurou suavemente. — Seus seios ficaram mais
firmes... seus quadris, mais arredondados. — E passou-lhe os dedos
pelas curvas mencionadas, causando-lhe estremecimentos.
"Eu deveria pular fora desta cama, e já!" — pensou ela, mas aqueles
toques a enlouqueceram, e a presença tão viril de Alex enfraqueceu
sua vontade. No fundo, desejava que ele a possuísse. E essa revelação
deixou-a quase fora de si.
— Não me toque! Não ponha as mãos em mim!
Se repetisse aquilo mais vezes, quem sabe não acabaria se
convencendo de que era isso realmente o que pretendia?
— E por que não devo tocá-la? — A voz dele já estava embargada pela
emoção. — Você é minha esposa, e eu a quero. — Com uma só mão,
aprisionou-lhe os pulsos por sobre a cabeça.
— Não!
— Você achava mesmo que iríamos conviver como se fôssemos dois
irmãos? Ah, Tânia, esse seu corpo bem-feito me obcecou durante três
anos. Você é minha... sempre foi minha! E agora tenho direitos legais
sobre você. Não posso acreditar que tenha entrado neste casamento
com tanta ingenuidade.
— Você sempre me desprezou — balbuciou ela, relembrando a dor
profunda de seu coração.
Alex sorriu, com os olhos cheios de uma estranha ternura.
— Não, Tânia. Eu nunca a desprezei. Eu a quero tanto quanto você
quer a mim.
— É nisso que você se engana. Eu não o quero! — Foi necessário muito
esforço para Tânia dizer essas palavras. Apesar de tudo o que soubera
sobre ele, apesar de todos os sofrimentos que havia passado por sua
causa, a verdade é que aquele ainda era o único homem que lhe
conseguia despertar a paixão.
— Você é uma mentirosa. Diz para eu ir embora, mas seus olhos e seu
corpo me pedem para ficar.
Abaixando-se lentamente, os lábios dele tocaram os seus, a princípio
com delicadeza, apenas roçando-lhe a boca. Ela não queria
corresponder, mas aos poucos os beijos se tornaram ardentes e
apaixonados, despertando-lhe um desejo incontrolável que afugentou
todas as dúvidas ainda remanescentes.
Tânia gemeu de prazer e seu corpo arqueou-se à procura do dele. Alex
soltou-lhe os pulsos, e ela começou a acariciar-lhe a nuca, puxando-o
para mais perto. Seus olhares se encontraram quando ela lhe tirou a
camisa, deixando à mostra os ombros largos e fortemente bronzeados.
Ao contato direto com aquela pele morena, sentiu-se abrasar por
dentro. Nada mais existia.,. nem rancores, nem ressentimentos, nem
pudores.
— Eu o quero, Alex — sussurrou, e os olhos dele escureceram de
paixão.
Tânia admirava-lhe as formas másculas perfeitas, até que notou uma
cicatriz do lado esquerdo do peito, junto ao ombro. Aquela marca
avermelhada, contrastando com o bronzeado da pele, não existia na
última vez em que tinham se amado. Alex teria sofrido algum
acidente? Quis perguntar-lhe, mas sua garganta estava contraída pela
emoção. O corpo dele era belo, atlético, e aquela cicatriz lhe
evidenciava ainda mais a virilidade agressiva. Passou os dedos sobre a
marca e sua excitação redobrou. Por baixo dos lençóis, seus corpos se
entrelaçaram, ávidos um do outro, e eles não notaram que estavam
batendo à porta.
Alex levou intermináveis segundos até que aquele ruído persistente lhe
penetrasse os ouvidos. Ergueu ligeiramente a cabeça, afastando a
boca do ombro macio de Tânia. A batida repetiu-se, agora mais forte,
deixando claro que a pessoa que os procurava não iria desistir.
Alex saiu da cama e vestiu-se rapidamente, enquanto ela puxava o
lençol até o nariz, corando intensamente quando o ouviu dizer:
— Pode entrar, sra. Craven.
A cabeça grisalha da governanta apareceu por uma fresta da porta, e
dava para notar que ela estava muito embaraçada.
— Sinto muito incomodá-lo, sr. Jordan...
— O que aconteceu?
Por alguns instantes a velha empregada hesitou, sem saber se devia
falar na frente da recém-casada.
— Bem... é que a srta. Dominic está ao telefone. Eu a avisei de que o
senhor não podia ser incomodado, mas ela insistiu, dizendo que o
assunto é muito importante. Então, achei melhor consultá-lo.
— A senhora agiu certo. Falarei com ela pela extensão do escritório.
Caminhando em direção à porta, Alex sorriu para Tânia, que não
retribuiu o sorriso e fechou os olhos para não vê-lo sair.
De repente, sentiu-se envergonhada por ter permitido que as coisas
tivessem chegado quase ao ponto de fazerem amor. Aquilo nunca
deveria ter acontecido! Como podia ter-se deixado levar àquele
extremo, esquecendo-se de Joanna Dominic?
Alex deixara bem claro que aquele era um casamento de conveniência,
motivado apenas por Matty, sem querer cogitar, na suposta noite de
núpcias, em abandonar seu relacionamento com a secretária. A
possibilidade de estar deitada na mesma cama em que ele tantas
vezes fizera amor com Joanna produziu em Tânia intenso mal-estar.
Onde ela estava com a cabeça no momento em que concordara com
uma proposta tão humilhante?
Abriu os olhos devagar e viu a sra. Craven ainda parada junto à porta.
— Sente-se melhor, minha querida? — perguntou a governanta,
sinceramente preocupada, e Tânia dirigiu-lhe um sorriso constrangido,
— Bem melhor, obrigada.
— Fico contente. O sr. Jordan estava tão aflito! Tânia não acreditou
naquilo, Como poderia acreditar?
— É que eu bebi champanhe demais na festa — admitiu, muito sem
graça.
— Tinha mais é que fazer isso mesmo. Afinal, foi o dia de seu
casamento. — A sra. Craven riu com espontaneidade. — Aposto que
agora está com fome.
Tânia assentiu, apenas para evitar ter que dar explicações, mas só de
pensar em comida sentiu uma reviravolta no estômago.
— O jantar já está pronto. E Matty dorme como um anjo. Oh, ele é um
lindo menino. A senhora deve ter muito orgulho por ter um filho assim.
— Sim, eu tenho.
— O sr. Jordan também. Nem queira saber como fiquei satisfeita por
ambos. Ele esperou muito tempo para se casar, mas assim que eu vi a
senhora soube que tinham sido feitos um para o outro.
Vendo a governanta desaparecer em direção à cozinha, Tânia pesou
bem aquelas palavras, sorrindo com amargura. Joanna Dominic é que
possuía a classe e a posição social adequada para Alex... À exceção de
Matty, nada mais lhe restava em comum com aquele homem.
Recostou-se no travesseiro e começou a chorar em silêncio. Se a sra.
Craven não os tivesse interrompido, Alex e ela estariam agora em
pleno êxtase sexual. Oh, Deus, que absurdo, desejar um homem que
pouco se importava com ela, que só se casara por obrigação!
Alex voltou e se sentou na beirada da cama, mas Tânia só notou sua
presença quando ele lhe tocou o ombro.
— O que aconteceu? Por que está chorando desse jeito?
— Deixe-me em paz!
— O que é isso, Tânia? Não podemos nem conversar? Se está
magoada, por que não me conta o que a deixa triste?
Ela ergueu a cabeça e fitou-o com ódio.
— Você me forçou a casar, e depois... depois, tentou me seduzir. Por
que não me deixa sozinha? Por que é tão cruel comigo?
— Você me desejou. Aliás, foi um sentimento mútuo. Você me
menosprezou quando achou que eu estava tentando possuí-la contra a
sua vontade.
— É que você estava zangado. Com certeza queria vingar-se.
— Que eu estava zangado, concordo. Também não é para menos,
minha querida. Você consegue acabar com a paciência de um santo.
— E todo mundo sabe que você não é nenhum santo!
Alex sorriu, parecendo tranqüilizar-se, em vez de se aborrecer.
Por um momento ela ficou tentada a não levar adiante a briga que
tinha em mente, pressentindo o quanto seria enlouquecedor voltar a se
aconchegar àquele corpo tão sensual. Mas, além de um amante
requintado, Alex era também um insensível, que após possuí-la a
deixaria sem nada, entregue à sua própria sorte. Três anos antes, ela
lhe oferecera seu corpo e sua alma. E o que recebera em troca? O
desprezo, da forma mais vil. Não, ela não ia repetir o mesmo erro pela
segunda vez.
— Já resolveu o assunto daquele telefonema de emergência? —
perguntou friamente.
Mas por que tocar na ferida, se a única coisa que queria agora era
tomar um banho, vestir-se e ver Matty?
— Sim, já resolvi.
— Acho que a srta. Dominic não ficou nada satisfeita com o nosso
casamento — disse ela, tentando forçar alguma reação em Alex.
— Por que pensa isso?
— Você deve estar pensando que sou uma retardada mental! £ claro
que vocês dois têm um caso amoroso.
Inesperadamente, ele deu uma saborosa gargalhada.
— Joanna é minha secretária, e não passa disso — afirmou, após o
acesso de riso.
— Não me diga!
— Por que não? Você se incomodaria se houvesse alguma coisa entre
mim e ela?
— De jeito algum! Só não quero que você subestime minha
inteligência, pensando que eu não sei exatamente o que se passa
entre vocês.
— Você está é maluca!
— Mas não tanto quanto você, que cometeu o engano de se casar
comigo e não com ela!
— Se eu quisesse, teria me casado com ela há muito tempo. Casei-me
com você, e já estou saturado dessas suas bobagens!
— Não são bobagens, Alex. Realmente, eu o odeio. Ainda não deu para
perceber? Talvez seu ego não aceite isso.
— Quem não aceita sou eu, sem nenhum "sr. Ego" para interferir. Há
dez minutos, eu poderia tê-la possuído com a maior facilidade, e ambos
sabemos disso.
Aquela fria afirmação foi como sal em cima de uma ferida. Tânia não se
conteve e deu-lhe uma bofetada, com toda força.
A reação de Alex foi inesperada. Beijou-a com violência, excitando-lhe
novamente os sentidos, mas quando ela estava prestes a aceitá-lo ele
saiu do quarto, batendo a porta com fúria.


CAPÍTULO VIII
O jantar transcorreu num clima de grande tensão. Tânia praticamente
não tocou no prato, enquanto Alex, ao contrário, comia à vontade,
como se nada tivesse acontecido.
Observando com o canto dos olhos, ela mal podia acreditar. que há
poucos instantes aquele homem que parecia não suportar sua
presença a tivera nos braços de unia forma tão apaixonada.
— Você precisa se alimentar — disse ele, de súbito, trazendo-a de volta
à realidade.
— Eu estou sem apetite.
Ele sacudiu os ombros com indiferença, e o silêncio voltou a reinar na
sala, cortado apenas por um profundo. suspiro de Tânia, que se
perguntava se ambos iriam passar o resto de suas vidas em uma
guerra velada.
Ao se encaminharem para a sala de estar, Tânia olhou em volta,
admirando a luxuosa decoração, que incluía quadros de valor,
esculturas e um belo tapete persa. Era um lindo ambiente, que
denotava bom gosto e um luxo sem afetação. No momento em que se
sentou, ela o surpreendeu a observá-la atentamente. Logo desviou a
vista e começou a imaginar quantas mulheres Alex já trouxera ali,
seduzindo-as e levando-as para aquela cama enorme, recoberta por
lençóis acetinados, onde ela dormira a tarde toda.
Na verdade, Tânia estava sendo injusta. Reconhecia que Alex, com
todo aquele charme e riqueza, possivelmente não precisaria seduzir
ninguém. O mais provável é que tivesse de fugir de muitas, que com
certeza fariam tudo para desfrutar de sua companhia.
Nesse momento, uma só palavra ocupou-lhe a mente: ciúme! Tentou
afastá-la da consciência, mas foi inútil. Sim, ela estava com ciúme de
todas as mulheres que Alex desejara e com as quais fizera amor;
porém, mais do que qualquer outra, morria de raiva de Joanna Dominic.
Acendeu um cigarro com mãos trêmulas e deu uma profunda tragada.
Por entre as pestanas semicerradas, observou novamente o semblante
de Alex, que permanecia com os olhos cinzentos fixos nela, como se
estivesse analisando suas reações.
— É um belo apartamento, o seu — disse ela, com um sorriso.
Era a primeira vez que falava espontaneamente desde a hora daquele
fúnebre jantar, e sentiu um grande alívio quando Alex disfarçou a
surpresa, apressando-se em retribuir o sorriso.
— Obrigado. Foi escolhido principalmente por causa da localização.
É de fácil acesso.
— Você recebe muita gente aqui?
Tânia não compreendia por que fazia essas perguntas, uma vez que
tinha certeza de que as respostas iriam feri-la.
— Hummm... bastante — disse ele, divertido.
— Mulheres? — insistiu Tânia. — Sim, mulheres.
— Suponho que a srta. Dominic seja uma das mais assíduas
freqüentadoras.
— Sim, Joanna já esteve aqui inúmeras vezes.
— Compreendo...
— Não creio que você compreenda.
— Pois eu tenho certeza que sim, e aprecio sua sinceridade. Só lhe
peço que no futuro me avise com antecedência quando a convidar,
para que eu deixe o campo livre.
— Já lhe disse que Joanna não é minha amante — retrucou ele, irritado.
— Por que teima? O que você quer? Uma promessa solene de
fidelidade?
De repente, Tânia sentiu-se envergonhada da própria infantilidade e,
enrubescendo, justificou-se, sem querer dar o braço a torcer:
— Não... não, claro que não! Eu só queria que você fosse discreto, em
consideração a Matty.
Bem que ela desejava que Alex lhe fosse fiel, mesmo sabendo que
jamais poderia exigir-lhe isso. Queria o amor dele só para si, e não
adiantava mais negar essa verdade. Ela o amava, nunca deixara de
amá-lo e sempre o amaria. Esquivara-se dessa realidade, desde que o
vira naquele restaurante; entretanto, chegara a hora de enfrentá-lo.
Tentara odiá-lo, e quase se convencera disso. Afinal, aquela cruel
rejeição havia solapado o seu amor, que agora voltava a encravar-se
em sua pele como um espinho... Um amor sem esperanças, pois nunca
será correspondido.
— Só por causa de Matty? E você, não tem opinião a respeito, minha
querida? — perguntou ele, com ironia.
— Você é dono de seu nariz!
Como pudera dar uma resposta daquelas, logo agora, que reconhecera
que o amava?
— Que esposa compreensiva! — A zombaria em sua voz era evidente.
— Talvez você mude de idéia se souber que não pretendo ser tão
condescendente assim como você.
— Essa eu não entendi.
— Use um pouco a cabeça.
Ao decifrar a expressão do rosto dele, Tânia quase caiu numa
gargalhada histérica. Em hipótese alguma ela arrumaria um amante.
Alex era o único homem de sua vida. Só que ele não podia saber disso,
senão ela estaria perdida.
— Eu farei o que bem entender, e você não poderá me impedir.
— Não a aconselho a pôr em prática essa intenção. Eu poderia mantêla
tão entretida, que você não teria tempo nem muito menos
disposição para qualquer outro homem.
Ela se levantou de um salto, exausta com aquele jogo de
subentendidos. Começou a andar pela sala, inquieta, e Alex
acompanhou-lhe a caminhada com um olhar provocante.
— Que tal mudarmos de assunto? — sugeriu ela, sem encará-lo.
— Finalmente resolveu ser um pouco mais sensata, minha querida?
Ótimo! Então vamos falar sobre nós dois. Gostaria de pegar um vôo
amanhã para as ilhas Fidji?
— O quê?
— Eis uma pergunta que exige uma resposta repetitiva. — Calmamente
ele acendeu uma cigarrilha, soltando uma espiral de fumaça.
— Então, por quê?
— Por causa da nossa lua-de-mel,
A expressão de Alex era insuportavelmente zombeteira, e ela
respondeu agitada:
— Não! Nas atuais circunstâncias, uma lua-de-mel seria simplesmente
ridículo!
Alex a percorreu dos pés à cabeça, com um olhar cobiçoso que a fez
perder o fôlego.
— Acha?
— Acho. Além do mais, não quero viajar para o exterior.
Simultaneamente, sua imaginação povoou-se de flashes do panorama
daquele lugar de sonho: a areia branca, o mar muito verde... ambos
fazendo amor sob um esplêndido céu azul-turquesa.
— Bem, nesse caso poderíamos ir para a casa de campo — propôs ele.
Alex possuía uma casa na zona rural, que planejava adotar como
residência permanente para os três. Pela descrição que lhe fizera,
devia ser uma verdadeira mansão, com acres e acres de jardins, ótima
sobretudo para Matty. Tânia gostara da idéia, pois sempre tivera a
esperança de criar o filho longe da poluição e do tumulto das grandes
cidades. Além do mais, a propriedade ainda contava com a vantagem
de se localizar relativamente próxima de Londres, de modo que Alex
não teria problemas para ir diariamente ao trabalho, e ela poderia,
quando quisesse, visitar os amigos e fazer compras na cidade.
Projeto Revisoras 90
Tânia precisou policiar-se para não demonstrar sua empolgação ao
aceitar.
— Sim, acho uma boa idéia.
Nesse momento o telefone começou a tocar e Alex atendeu, sob o
olhar angustiado de Tânia, que se sentou no braço de uma poltrona
com a cabeça atormentada por um redemoinho de pensamentos
confusos.
Havia sido um erro acreditar que o casamento a livraria de todos os
problemas. Agora que se conscientizará de que ainda o amava,
surgiam tantos outros conflitos que ela não sabia nem por onde
começar a tentar resolvê-los.
Fora precipitação recusar o convite dele para ir a Fidji. Se tivesse usado
um pouco de bom senso, aceitaria a viagem, aproveitando tudo o que
ele podia lhe oferecer de bom, mesmo que o preço fosse seguir todas
as regras do jogo.
Observou-o falar ao telefone, admirando-lhe o queixo forte, com aquela
covinha irresistível, e os contornos da boca sensual. Alex era um
homem extremamente viril e atraente, porém complexo demais para
que ela pudesse entendê-lo, mesmo depois de já haver desvendado
algumas facetas de sua personalidade forte, de temperamento
indomável e inteligência privilegiada. Às vezes, ele podia se mostrar
frio e distante, chegando ao extremo da rudeza. Mas também sabia ser
amável, gentil e envolvente. De qualquer forma, seu comportamento
ainda constituía um enigma que ela ansiava decifrar.
O amor que sentia por ele mudava muitas coisas e esclarecia outras
tantas. Não fora à toa que aceitara tão facilmente sua proposta de
casamento. Bem no fundo do inconsciente, amava-o tanto, que correra
o risco de unir sua vida à dele, mesmo sem ser amada. Se de fato o
detestasse, teria lutado com unhas e dentes contra a idéia...
Talvez tivesse sido levada pela longínqua esperança de que ele poderia
vir a amá-la depois de casado. Quem sabe? Mas, pelo visto, ela
continuava a ser a mesma ingênua do passado. A diferença é que
agora não se esqueceria da existência de Joanna Dominic. Apesar de
Alex jurar o contrário, ela continuaria com a certeza de que os dois
eram amantes, pois todas as evidências a levavam a essa conclusão.
Para Tânia, esse era o problema crucial. Alex a desejava fisicamente.
Sobre isso, não restavam dúvidas. Ele dera uma clara demonstração
disso ao devorá-la com os olhos quando a vira nua naquela cama. Só
de se lembrar disso ela sentiu um arrepio percorrer-lhe a espinha.
Como poderia lutar contra ele se também o queria, se, além de amá-lo,
sentia-se derreter toda ao menor toque daquelas mãos morenas?
Como poderia rechaçá-lo, se ele tentasse novamente fazer amor com
ela? Sabia que não suportaria a humilhação de ser apenas possuída,
sem amor. Afinal, não pretendia fazer parte da longa lista de mulheres
sempre prontas a satisfazer-lhe os desejos. Isso nunca!
No instante em que Alex recolocou o fone no gancho, seus olhares se
encontraram. Logo, a pulsação de Tânia se acelerou e ela ficou de pé,
ansiosa para escapar dali.
— Acho que vou para a cama — anunciou, sem naturalidade, de tão
nervosa.
— Parece-me unia boa sugestão — disse ele, aproximando-se com um
sorriso e passando-lhe a mão pelos cabelos.
— Eu quis dizer sozinha]
— Acredita seriamente que vou deixá-la dormir sozinha?
Tânia sentiu sua resistência começar a ceder diante daqueles olhos
que diziam mais do que as palavras,
— Você garantiu que não me queria, lembra-se?
— Eu estava mentindo. Claro que a quero, e muito! Você sabe disso.
A intimidade do diálogo com aquele homem estranho, que afinai era
seu marido, perturbou-a até quase o desespero.
— Pois eu não o quero! — afirmou, com a respiração ofegante.
— Você se repete como um disco quebrado! O pior é que mente o
tempo todo, tanto para mim quanto para você mesma. Eu sei que você
me quer.
— Quem mentiu para mim foi você.
— Apenas aproveitei a chance que apareceu — replicou ele, fitando-a
de uma forma definida.
— Eu bem que devia ter desconfiado de que pagaria caro pela
segurança que você me ofereceu. Nada na vida é de graça, não é esse
o seu lema?
— Você sabia quais eram as minhas intenções, portanto não se faça de
tola.
— Não, eu não sabia. Tomei suas palavras ao pé da letra. Só hoje
percebi que você queria meu corpo em pagamento de sua
generosidade. Como pude ser tão idiota?
Alex deu um passo à frente e enlaçou-a pela cintura, fazendo-a
arrepiar-se com a delicadeza do toque.
— Não... não- faça isso.
Ele ignorou seu pedido, e começou a acariciar-lhe sensualmente as
curvas do corpo, delineadas pelo vestido colante, despertando-lhe
todos os sentidos.
— Se continuar com isso, eu grito! — ameaçou Tânia, com a voz
embargada. — Vou acabar acordando a sra. Craven,
— Pois grite, se for capaz. Saberei como tapar-lhe a boca com meus
beijos!
Aquele corpo forte e musculoso que se agigantava à sua frente, em vez
de assustá-la, excitava-a ainda mais. Por que o repelia, se o desejava
com todas as forças de seu ser? Mas se deixasse transparecer sua
fraqueza Alex se aproveitaria disso, sem piedade.
— Não quero ser usada sem que você me ame — revelou, conseguindo
afastar-se até a uma distância segura.
— E se eu a amasse?
Tânia não podia admitir que ele recorresse a subterfúgios tão sórdidos
para alcançar seus objetivos. Por isso, não hesitou em mentir mais essa
vez:
— Não faria a menor diferença, porque eu não o amo.
— Você quer me ver de joelhos, suplicando, não é isso?
— Estou apenas com sono — disse ela, ignorando a pergunta.
— Mentirosa! Você dormiu a tarde toda! Por acaso está tentando me
irritar? Se é essa sua intenção, saiba que já conseguiu. Não gosto de
brincadeiras, Tânia.
— Se está precisando tanto de alguém para lhe fazer companhia, por
que não telefona para Joanna Dominic? Tenho certeza de que ela viria
correndo para satisfazer seus desejos!
Alex não se abalou com a agressão. Apenas segurou-a pelos ombros e
beijou-a com violência.
— Oh, Tânia! Você está me enlouquecendo! — gemeu, com a boca
ainda colada aos lábios dela.
Imóvel e distante, Tânia foi dominada pela sensação de estar perdendo
aquilo que mais queria na vida, quando ele a soltou, virando-lhe as
costas e oferecendo:
— Quer mais um conhaque?
— Não, obrigada. — A voz lhe saía com dificuldade, enquanto seus
olhos se perdiam a contemplar aquele corpo realmente perfeito, de
ombros largos e longas pernas musculosas.
— Você pode dormir naquele mesmo quarto. Fique sossegada, que eu
não a incomodarei — avisou Alex, sem encará-la.
Droga! Sé'ela havia atingido seu objetivo de dormir sozinha, por que
cargas d'água experimentava aquele sentimento de rejeição que lhe
fazia as lágrimas invadirem os olhos?
Para não cair em prantos na frente dele, Tânia saiu correndo da sala,
em direção ao quarto de Matty, sentindo a consciência pesar. Mal dera
atenção ao menino durante o dia todo, e, ao vê-lo dormindo um sono
calmo, ficou mais tranqüila. Só então é que ela deu vazão ao choro que
lhe sufocava a garganta.
Após urna noite agitada, sentindo-se solitária naquela enorme cama de
casal, Tânia acordou tarde, e seu primeiro pensamento foi para o filho.
Pulou da cama e, depois de passar pelo quarto dele, que estava vazio,
saiu a procurá-lo pelo apartamento, estacando ao ver uma cena
inesperada: Matty sentado nos joelhos de Alex, que lia uma história
infantil para o filho. Como aqueles dois se pareciam! Eram como duas
gotas de água!
— Pensei que fosse dormir pelo resto do dia — comentou Alex. ao vêla.
Como ainda estivesse de camisola, por sinal bastante transparente,
Tânia corou, envergonhada.
— Mãezinha! — exclamou Matty, descendo do colo do pai e correndo
para os braços dela. — O homem estava lendo uma história para mim!
— Matty, o "homem" é seu pai, querido. Seu papai de verdade. O
garoto arregalou os olhos, incrédulo.
— O homem é meu papai? — perguntou, com uma ponta de alegria na
voz.
Tânia confirmou com um gesto de cabeça e o colocou no chão,
impressionada com a expressão de doçura que amenizava as feições
constantemente tensas de Alex. Pai e filho se olharam e, pouco depois,
abraçavam-se com euforia. A cena deu a ela a certeza de que agira de
modo acertado ao se casar com aquele homem. Sentiu um nó na
garganta, provocado pela emoção, mas, junto com a sensação de
felicidade, havia um quê de tristeza, como se ela tivesse sofrido uma
perda irremediável. Talvez fosse ciúme por saber que dali por diante
Matty não precisaria exclusivamente dela.
— Vou me vestir — disse, disparando para o quarto, os olhos turvos
pelas lágrimas.
Atirou-se na cama e começou a chorar convulsivamente, atormentada
por sentimentos conflitantes, até que a mão de Alex lhe tocou o ombro.
— Tânia... — chamou ele, gentilmente.
Ela escondeu o rosto no travesseiro, pedindo-lhe que se retirasse, mas
não houve meios de evitá-lo. Alex a soergueu na cama e abrigou-a a
encará-lo.
— Não chore — pediu, com suavidade. — Oh, meu amor, o que é isso?
A voz de Alex parecia preocupada, e ele a abraçou com força,
aninhando-lhe o rosto molhado junto ao peito, acariciando-lhe os
cabelos.
Aos poucos, Tânia foi se acalmando, e, por fim, parou de chorar. Ele
enxugou-lhe as faces e sorriu com ternura.
— Desculpe-me — murmurou ela, e, muito encabulada, pousou as
mãos sobre aqueles ombros fortes.
— Desculpá-la do quê?
— De eu ter molhado sua camisa. Não me olhe tanto. Devo estar com
uma aparência horrível.
— Você continua linda, como sempre.
— Tenho certeza de que estou pavorosa. Onde ficou Matty?
— Deixei-o com a sra. Craven, tomando lanche. — Depois de uma
breve pausa, ele acrescentou: — Queria lhe agradecer pelo que acabou
de fazer. Sua atitude significou muito para mim. E deve ter lhe custado
muito esforço.
— Eu não podia permitir que ele continuasse a chamá-lo de "homem",
podia? Mas você acertou. Custou-me bastante esforço. Acho que fiquei
com ciúme. Agora me alegra que tudo tenha se esclarecido. Foi
comovente ver vocês dois juntos. E ele o ama, Alex, tenho certeza
disso.
— Matty é um belo garoto, e você, uma ótima mãe. — Os dedos
morenos escorregaram pelos ombros frágeis, arrepiando-lhe a pele
nua. — Gostaria de tê-la visto durante a gravidez.
— Fiquei horrorosa.
Alex notou-lhe a reação nervosa e parou de acariciar-lhe as costas
desnudas.
— Não acredito.
— Verdade! — Ela tentou sorrir, mas fracassou e, umedecendo os
lábios ressequidos, enrijeceu o corpo. — Agora, seria melhor eu tomar
uni banho e me vestir, se é que vamos até a casa de campo.
Alex percebeu que aquele era um meio diplomático de dispensá-lo, e
voltou a assumir uma atitude distante.
— Partiremos logo depois do almoço.
— Tudo bem — concordou Tânia, com uma expressão que não
combinava com a frase.
— Acho que você vai gostar da casa. Deveremos chegar a tempo para
o jantar. Louise está ansiosa para conhecê-la.
Tânia olhou-o, cheia de suspeitas. Quem seria Louise? Uma espécie de
governanta? Ou pior do que isso, uma das amantes de Alex?
— Meu Deus, que mulherzinha mais desconfiada! Louise é uma velha
amiga que me conhece desde criança. Foi ela quem cuidou de mim,
quando mamãe morreu.
Tânia ouviu a explicação em silêncio. Já sabia que o pai de Alex
abandonara a família quando ele ainda era bebê, e que a mãe morrera
num acidente de carro, dez anos depois.
Talvez a perda dos pais em tão tenra idade fosse a responsável por sua
auto-suficiência e garra. Possivelmente, era também o motivo de ele
desejar poupar Matty de conhecer a tristeza e o desamparo da
orfandade.
— Louise mora na casa? — Tânia quis saber.
— Não, mas costuma ficar lá sempre que viajo. Ela foi a melhor amiga
de minha mãe, desde os tempos de escola. Você vai gostar dela —
afirmou, percebendo a apreensão da esposa.
— Assim espero — respondeu ela, com um sorriso.
— Não se preocupe que tudo vai dar certo. Dito isso, Alex beijou-a de
leve na boca, saindo em seguida do quarto.
Conforme o programado, partiram logo depois do almoço. Como fazia
um belo dia de sol, a viagem foi agradável e relaxante. Matty falava
pelos cotovelos, muito entusiasmado, como sempre acontecia quando
entrava naquele carro enorme e sofisticado.
Em tempo recorde, estacionaram diante de uma bela construção de
pedra, espaçosa, tranqüila e bonita.
— É maravilhosa! — comentou Tânia, com uma alegria que não
demonstrava desde a hora do casamento.
Entretanto, Alex permaneceu sério, como se o comentário fosse
impróprio. Talvez ele começasse a suspeitar que Tânia só demonstrava
interesse por sua riqueza.
O enorme portão de entrada foi aberto, dando passagem a uma
senhora magra e miúda, de cabelos grisalhos, trazendo dois enormes
cães dinamarqueses, presos por uma corrente.
No ato, Tânia a reconheceu como a mesma que fora jantar com Alex na
noite em que o reencontrara no restaurante. Então, aquela mulher era
Louise...

CAPÍTULO IX
Um mês após a mudança para a nova casa, Tânia vivia uma rotina
tranqüila, onde o único empecilho para ela se considerar feliz consistia
no sofrimento por seu amor não correspondido.
Apesar da reserva inicial, Louise acabou demonstrando ser uma ótima
amiga, a quem Matty tratava como a uma avó. Em retribuição, ela não
media esforços para agradar-lhe, mimando-o de todos os modos
possíveis.
A casa, mobiliada em estilo clássico, possuía também o que havia de
mais moderno em termos de conforto, embora Tânia preferisse passar
a maior parte do tempo nos amplos e ensolarados jardins, onde o filho
não se cansava de brincar e de correr.
Certa tarde, ao voltar do trabalho, Alex trouxe-lhe um cachorrinho
preto e peludo, e desde então o menino e o animal não se separaram
mais.
O amor entre Alex e Matty crescia a cada dia que passava. O garoto
idolatrava o pai e o seguia como uma sombra, sempre que ele estava
em casa. Matty mudava a olhos vistos, como uma planta que encontra
solo fértil. Sua pele adquirira uma cor saudável pela constante
exposição ao sol, sempre acompanhado de Mac, como chamou o
cãozinho. Tânia nunca vira o filho tão feliz, e isso a ajudava a suportar
sua própria infelicidade.
Alegando que não queria vê-la confinada dentro de casa, Alex lhe
comprara um carro, e também contratara uma empregada, de forma
que Tânia tinha todo o tempo disponível para dedicar-se a Matty. E
.linda podia contar com Louise, que permanentemente estava disposta
a tomar conta do menino, sempre que se fizesse necessário.
O marido de Louise, que passava a maior parte do tempo viajando, no
momento encontrava-se na África do Sul, devendo ficar ausente por
alguns meses. Embora aquele parecesse um casamento infeliz, a velha
senhora assegurava que ela e Johnson se amavam muito, apesar de
quase não se verem.
— Se eu tivesse que conviver diariamente com Johnson, acabaria
neurótica. Em menos de um ano, estaríamos divorciados! — dissera
Louise, bem-humorada.
Tânia compreendia o ponto de vista dela: Louise precisava viver sua
própria vida, e os meses que passava ao lado do marido eram uma
renovada lua-de-mel.
Com Alex ela não tinha sequer -essa satisfação. Ele continuava
distante, interpondo entre os dois uma barreira cada vez mais alta e
intransponível. Saía de manhãzinha, e freqüentemente só voltava noite
alta, quando não pernoitava no apartamento de Londres.
Ainda que Tânia soubesse que ele tinha muito trabalho, a imagem de
Joanna Dominic não lhe dava tréguas. E, nas noites em que ele não
voltava para casa, ela ficava imaginando os dois juntos no
apartamento.
De uma coisa ela estava segura: Alex nem ao menos a desejava mais,
uma vez que desde a noite de núpcias não voltara a procurá-la.
Numa tarde muito quente, com a mansão deserta porque Matty tinha
ido para a casa de Louise, Tânia colocou um biquíni e resolveu tomar
um banho de sol no gramado nos fundos da casa, onde se deitou e
relaxou.
Estava quase pegando no sono, quando foi surpreendida pela presença
inesperada de Alex.
— Você aqui, a esta hora? Não deveria estar no escritório? —
perguntou, num tom de censura, vendo-o de jeans e com uma
camiseta esportiva.
— Se eu tivesse o que fazer lá, não teria vindo — respondeu ele,
olhando fixamente para aquele corpo seminu estendido na esteira.
— Estou tomando um banho de sol — anunciou Tânia, muito
encabulada.
— É, eu já percebi. Importa-se que eu lhe faça companhia?
— Parece que não tenho escolha — retrucou ela, agressiva. Sem se
deixar levar pela provocação, Alex deitou-se a seu lado.
— Leon telefonou-me hoje pela manhã.
— Ah, foi? E como está ele?
— Parece que finalmente conseguiu colocar sua vida em ordem.
— Que ótimo! Ele ama muito Alicia, e merece ser feliz.
— E nós, não merecemos?
Pega de surpresa, Tânia achou melhor mudar o rumo da conversa: —
Matty está na casa de Louise, aprendendo a pintar. Fiquei aqui sozinha,
mas gostaria que você não se aproveitasse disso.
— Nada feito, minha querida. — Alex passou-lhe a mão pelas coxas
nuas, de pele acetinada, causando-lhe um arrepio.
— Não! — gritou ela, em pânico.
— O que pensa que eu vou fazer? Violentá-la?
— E quem me garante que não?
— Tânia, o que está acontecendo conosco?
"O que está acontecendo é que você não me ama da mesma forma
como eu o amo", pensou ela, os olhos negros refletindo todas as
emoções que lhe conturbavam a alma.
Alex começou a beijá-la vagarosa e profundamente, e Tânia não pôde
deixar de corresponder ao beijo. Fazia muito tempo que não era
tocada, e seu anseio por ele, sempre reprimido, arrebentou como um
dique, transformando-se numa avalancha turbulenta de paixão.
Suas bocas se fundiram, e ela sentiu que Alex ficou surpreendido com
sua reação inesperada. Os lábios dele, quase sorridentes, percorriam-
lhe as faces, o queixo, o pescoço. Tânia inclinou a cabeça para trás,
num tácito convite, cada fibra de seu ser vibrando sob as carícias
daquelas mãos que escorregavam pelo corpo que o biquíni mal
encobria.
Por sua vez, ela acariciou-lhe os ombros largos, notando que os
músculos fortes se retesavam sob o contato de seus dedos. O coração
de Alex se acelerou. Tânia podia sentir-lhe as batidas, em uníssono
com as dela, tão próximos estavam um do outro.
Alex sussurrou-lhe o nome ao ouvido, enquanto rolavam sobre a
grama, de modo que ela ficou estendida sob o peso daquele corpo
másculo, sentindo-lhe a força dos músculos das coxas e a reação
incontrolável de sua virilidade.
Como poderia negar-se, se o amava tanto?
Habilmente, ele desfez o laço que prendia o sutiã do biquíni, e, com um
gemido, sua boca tomou-lhe o seio exposto e túrgido pelo desejo. Ela
segurou-o pela nuca e arqueou as costas, fazendo com que ele
pressionasse ainda mais os lábios ávidos sobre o mamilo rosado.
— Oh, Tânia, você está me enlouquecendo! —murmurou ele,
escondendo o rosto moreno entre os seios alvos. — Eu quero fazer
amor com você!
Suas mãos deslizaram possessivamente pelo corpo delicado,
procurando-lhe os pontos mais sensíveis, e ela estremeceu, sentindo o
desejo inadiável de realmente ser possuída.
Porém, de alguma forma, as últimas palavras dele, que ainda ecoavam
em seus ouvidos, quebraram o encantamento que a mantivera
submissa. Ele só queria seu corpo!
Começou a debater-se, a princípio involuntariamente. Depois, ao
retornar à consciência de seus atos, percebeu a que humilhação estava
se expondo.
Fez uma tentativa de afastá-lo, só conseguindo deixá-lo ainda mais
excitado diante de sua resistência.
Com o corpo trêmulo, Tânia acabou por permitir que também seu
desejo se renovasse, ainda mais intenso. Só Alex poderia aplacá-lo.
Seria tão bom entregar-se. . . Mas, mesmo sendo apenas uma relação
física, perspicaz como era, ele haveria de descobrir o quanto ela o
amava. E isso só iria aumentar sua dor e humilhação. Como detê-lo? O
que poderia fazer?
Subitamente inspirada, resolveu apelar para a ironia.
— Essa é mais uma parcela do meu pagamento? — perguntou, com
frieza, ao sentir-lhe a boca quente e úmida colada no pescoço macio.
— Está me cobrando pela segurança que deu a Matty e a mim?
Por um instante, pensou que ele não tivesse escutado. Mas, pouco
depois, o corpo de Alex enrijeceu e ele levantou a cabeça, fitando-a,
furioso.
— Se é assim que você quer ver as coisas, Tânia, que seja!
O beijo que se seguiu foi selvagem e violento. Mas as mãos que se
apossaram dos seus seios eram gentis.
"Ele me odeia, e deve odiar-se por desejar-me", pensou Tânia,
arrependida por tê-lo incitado à vingança... uma vingança feita de
carícias sensuais e estonteantes.
Seu corpo ardia de desejo e excitação, enquanto lágrimas pesadas
começavam a escorrer-lhe pelo rosto.
De repente, Alex soltou um suspiro e sentou-se. Ela continuou deitada
e imóvel, vendo-o apenas de costas. Mas era fácil notar que ele estava
muito tenso e zangado. Culpa dela. Mas não tivera outra escolha.
— Pelo amor de Deus, não chore — disse ele, sem encará-la.
— Eu... eu sinto muito.
Tânia nem sabia do que estava se desculpando. Talvez apenas
estivesse com medo dele. Alex virou a cabeça quando ouviu as
palavras sussurradas e olhou, impassível, para aquele corpo trêmulo.
Instintivamente, ela cobriu os seios com as mãos e também se sentou,
muito vermelha. Não sabia o que dizer. Sentia-se péssima.
Alex estendeu a mão e afastou-lhe uma mecha de cabelos que grudara
no rosto banhado de lágrimas.
— Não se preocupe. Não tenho intenção de forçá-la a nada, pode ficar
tranqüila.
— Eu não pensei...
— Não? Ora, deixe disso! Você é transparente como um cristal. — E
seus lábios se contorceram num sorriso forçado.
"Oh, Deus, será que ele vai descobrir o quanto eu o amo?", pensou
Tânia, trêmula de ansiedade.
— Você é muito esperto! — exclamou ela, de uma forma gélida e
irônica.
— Acha mesmo? — replicou ele, com sarcasmo.
— Vá para o inferno!
Alex tinha recuperado completamente o autocontrole, e não se abalou
com aquela agressão.
— Viajarei para Honolulu. Quando voltar, vou me mudar para o
apartamento de Londres. Você e Matty continuarão morando aqui.
Naturalmente, pretendo ver meu filho de vez em quando.
Combinaremos os detalhes no meu retorno. Mas não se aflija, que não
lhe faltará nada.
Tânia fitou-o, boquiaberta. Se tivesse recebido uma bofetada, não
ficaria tão chocada. Ele ia embora! Ia embora, depois de lhe ter
conquistado o coração e a alma. A perspectiva de perdê-lo era
insuportável.
— Mas... mas esta é a sua casa — argumentou, desejando ter coragem
suficiente para suplicar-lhe que ficasse.
— E você é minha esposa — completou ele. — Por acaso isso faz
alguma diferença? Talvez fosse você quem estivesse mesmo com a
razão. Foi um erro obrigá-la a se casar comigo. Um erro imperdoável!
— Alex, por favor... — Tânia quis segurar-lhe o braço, mas ele estava
tão frio, tão distante, que temeu ser rechaçada.
— Acho que não temos mais nada a nos dizer — declarou ele, pondo-se
de pé.
— Não tenho nem o direito de externar minha opinião? — perguntou
ela, hesitante.
Não podia deixar que ele fosse embora daquele jeito! Não podia!
— Sua opinião já se tornou bem clara para mim. Você ganhou, Tânia.
Não consegui derrubar a barreira de sua frieza, e não pretendo viver ao
lado de uma mulher que me odeia tão declaradamente. Se algum dia
houve algo de bom entre nós, agora está acabado. Ambos sabemos
disso. O melhor é que cada um vá para o seu lado.
— Mas poderíamos tentar.
Ele nem a deixou terminar a frase.
— A culpa foi minha, e não desejo vê-la sofrer pelo resto da vida. Pensa
que sinto satisfação quando você fica em pânico toda vez que a toco?
Acha que não é evidente seu nervosismo sempre que estamos juntos
em qualquer ambiente? Vamos encarar a realidade. Está tudo
terminado.
Sem lhe dar chance de retrucar, encaminhou-se a passos firmes para
os lados da casa, deixando-a sozinha a ruminar aquela inapelável
decisão.
Cinco minutos depois, Tânia ouviu o barulho do carro saindo para a
estrada.
Passou o resto do dia como um autômato, a mente concentrada em
Alex...
Finalmente, depois de servir o jantar para Matty e de colocá-lo na
cama, viu-se sozinha no quarto. Então, atirou-se no colchão macio e
chorou até cansar. Quando consultou o relógio, já passava da meianoite.
Alex não voltaria mais.
Arrependeu-se por não haver insistido no diálogo. Talvez, se ela tivesse
demonstrado um pouco de compreensão, quem sabe ele não teria
mudado de idéia? E ela certamente o aceitaria sob qualquer condição,
essa é que era a verdade. Mas não. Agira com frieza e amargura,
temerosa de ser ferida novamente... Ferida? Mais do que se sentia
naquele momento? Não ia ser uma agonia ainda maior não tê-lo mais a
seu lado?
Dali em diante, não passariam de dois estranhos, tratando-se
civilizadamente todas as vezes que ele viesse visitar Matty. Como
conseguiria suportar esse martírio?
Alex tinha dito que ela vencera! Que vitória tão amarga!
Suspirou e afundou o rosto no travesseiro. Talvez, no inconsciente, ela
tivesse pretendido vingar-se. Alex não escondia seu desejo por ela.
Negando-se, pretendia feri-lo, tal como ele a ferira um dia.
Mas ele teria com quem se consolar. Joanna Dominic iria sentir-se mais
do que feliz em recebê-lo de volta. Qualquer mulher ficaria.
Rolou na cama, exausta, mas sem conseguir dormir. Acendeu um
cigarro, levantou-se e andou inquieta de um lado para outro do quarto.
De tanto pensar, a cabeça lhe doía terrivelmente. No entanto, não
havia mais nada que ela pudesse fazer. Mesmo que fosse procurá-lo,
mesmo que confessasse seu amor, ainda que lhe suplicasse para não a
deixar, nada disso alteraria a realidade de que ele não a amava.
Começou a imaginar a cena de Joanna Dominic, com seus cabelos
negros e sedosos espalhados sobre os ombros atléticos de Alex. Num
impulso louco, foi ao telefone e discou o número do apartamento de
Londres. Ninguém atendeu. Ele devia estar lá, mas, seguramente,
muito ocupado com Joanna.
Deitou-se novamente e acendeu mais um cigarro: o último, Não
haveria também outra chance para ela. Aquela fora a última. Era inútil
lamentar-se.
Adormeceu de madrugada e teve sonhos angustiantes, sobre o mesmo
tema — Joanna e Alex. Ao acordar na manhã seguinte, muito tarde,
encontrou Matty sentadinho na beirada da cama, sorrindo para ela, já
vestido e penteado.
— Papai esteve aqui! Foi ele quem me vestiu! O coração de Tânia
quase parou.
— Seu pai esteve aqui? — repetiu, incrédula.
— Mas já foi embora. Viemos ver você, mãezinha, mas papai disse que
seria melhor não acordá-la.
Oh, Deus, ele nem quisera despedir-se dela! Tinha-a visto dormindo e
se fora, sem dizer-lhe uma só palavra!
— Papai disse que é para eu cuidar de você. — Matty deu-lhe um
sorriso gracioso. — Pra começar, vá levantando dessa cama, mamãe
preguiçosa!
Antes que ela pudesse responder, Louise apareceu na soleira da porta,
carregando uma bandeja.
— Trouxe seu café, minha querida — anunciou ela, com um sorriso. —
Alex telefonou-me e eu me ofereci para cuidar de Matty enquanto você
não acordasse. — Depositou a bandeja na mesa-de-cabeceira e foi
abrir as cortinas. — Está fazendo um lindo dia!
— Alex ligou para a sua casa? — Tânia quis confirmar, ainda sem
conseguir raciocinar com clareza.
— Sim. Ele me disse que você estava muito cansada. E, realmente,
estou vendo que está bem abatida. Talvez seja aconselhável ficar na
cama pelo resto da manhã.
— Não, não! Eu estou bem.
— Você é quem sabe. — Louise pegou Matty pela mão. — Vamos
andando, rapazinho, que sua mamãe precisa de sossego.
Matty obedeceu sem reclamar, e os dois deixaram o quarto. Tânia
olhou para a bandeja e só a visão da comida lhe revirou o estômago.
Quem disse que ela iria conseguir comer? Tomou apenas o café e
voltou a recostar-se sobre o travesseiro. Afinal, Alex tinha voltado,
contrariando todas as suas previsões.
Naquela manhã, Matty parecera muito feliz. O que Alex teria dito ao
filho? Evidentemente, Louise não sabia de nada. Para a velha senhora,
a ausência do amigo significava apenas mais uma viagem de negócios.
Tomou um banho e vestiu-se. Para o bem de Matty,
precisaria.comportar-se normalmente, como se nada tivesse
acontecido.
Quando chegou ao patamar da escadaria, respirou fundo. Há três anos
conseguira enfrentar a luta. Só esperava ter capacidade para repetir a
proeza.


CAPÍTULO X
Dois dias depois Tânia estava acomodada em uma confortável poltrona
de couro, tentando se concentrar na leitura de um romance, quando a
campainha tocou.
Foi atender à porta de má vontade, mas, assim que viu quem era,
mudou logo de humor, recebendo-o com um sorriso radiante.
— Leon! — exclamou, surpresa.
— Alô, Tânia! — Ele se inclinou e beijou-a no rosto.
— Entre, entre. — Fechando a porta, acompanhou-o até o living. 
Prefere um drinque ou um cafezinho?
— Um cafezinho seria ótimo.
Daí a instantes, Tânia voltou da cozinha trazendo uma bandeja com
duas xícaras. Depois de servi-lo, ela se acomodou numa das
almofadas, com as pernas encolhidas e o queixo apoiado nos joelhos.
— Estou voltando de uma visita a um velho amigo que mora na costa,
e resolvi passar por aqui para convidar você e Alex para almoçarmos
juntos.
— Alex viajou a negócios. — Percebendo pela expressão do amigo que
ele não se convencera com, aquela explicação, apressou-se em tornar
a. desculpa verídica, acrescentando: — Ele foi para Honolulu.
— Entendo... E Matty?
— Oh, ele está na casa de Louise, uma velha amiga da família de Alex.
Eles se dão às mil maravilhas. Passam horas e horas desenhando e
pintando juntos. Parece que Matty leva jeito para as artes... E como
vão indo você, Alicia e as crianças?
— Alicia e eu estamos bem. Como você pode imaginar, temos nossos
altos e baixos, mas com o tempo as coisas tendem a se estabilizar. —
Acendeu o cachimbo e a fumaça aromática espalhou-se pelo ar. —
Belle e Vinnie voltaram para a escola, e Jake começou a se curar da
"paixonite aguda" que nutria por você. Agora, anda saindo com uma
garota, filha de uma família de fazendeiros da região, Você e Alex
precisam ir uma noite dessas lá em casa. As crianças ficarão contentes
em revê-la.
— Eu gostaria muito — disse ela, de modo vago, tentando não assumir
qualquer compromisso, por desconfiar que Alicia não era da mesma
opinião que ele.
— Então, marcaremos uma data por telefone. Para quando você espera
a volta de Alex?
— Eu... eu não sei exatamente. Bem...
Dessa vez Tânia não conseguiu prosseguir na farsa e caiu num choro
convulsivo, cobrindo o rosto com as mãos.
— Oh, que papelão! Sinto... sinto muito — desculpou-se ela, tentando
engolir as lágrimas.
Mas seu constrangimento aumentou ainda mais quando Leon
estendeu-lhe um lenço e disse em tom amável e paternal:
— Tome. Assoe o nariz.
A ternura que havia na voz dele derrubou-lhe as últimas barreiras e ela
irrompeu em soluços descontrolados, enquanto Leon, preocupado,
abraçava-a e confortava-a, até que finalmente a crise passou. Ao vê-la
mais calma, ele tomou a iniciativa de ir ao barzinho, enchendo um
cálice com uma generosa dose de conhaque.
— Acho que uma bebida forte vai lhe fazer bem — disse ele,
entregando-lhe o drinque.
Com mãos trêmulas ela levou a taça à boca e ingeriu um longo gole,
sentindo-se logo reanimada por uma agradável sensação de
aquecimento por todo o corpo.
— Obrigada. Perdoe-me o vexame.
— Ora, deixe de bobagens e conte-me o que está acontecendo.
— Nada...
— Tânia, desde a hora em que cheguei, percebi que havia algo de
errado. Você está com um aspecto de quem não tem dormido direito.
Parece tensa e preocupada. E vai querer me convencer de que está
tudo bem? — Apesar do tom brincalhão, sua fisionomia era séria ao
acrescentar: — Vamos lá. Conte-me tudo. Talvez eu possa ajudar.
Por alguns segundos ela permaneceu calada, mas depois resolveu
desabafar.
— Nosso casamento acabou, Leon! Acabou!
Era bom poder abrir o coração com alguém. Afinal, seus nervos
estavam a ponto de explodir pelo esforço contínuo de aparentar uma
fachada alegre e despreocupada diante de Matty e de Louise.
— Como assim? — surpreendeu-se ele.
— Alex não vai mais voltar para casa — revelou, arrasada. — O meu
Deus, acho que eu não serei capaz de suportar!
— Afinal, o que foi que aconteceu?
— Eu nunca deveria ter concordado em me casar com ele. — Tânia
começou a tremer desconsoladamente. — Desde o começo, foi um
desastre. Pensei que eu pudesse contornar a situação, mas...
— Você está apaixonada por ele? — interrompeu Leon.
— É tão evidente assim?
— Você não ficaria nesse estado se não ligasse para Alex.
— Seria uma graça divina se eu pudesse me manter indiferente, Como
se consegue deixar de amar alguém que não lhe dá a mínima? Como?
Confesso que não consigo afastar Alex de minha cabeça nem por um
segundo!
— Você tem certeza de que ele não a ama?
Havia uma entonação estranha na voz de Leon, mas talvez fosse
apenas impressão dela.
— Absoluta! Ele nunca me amou. Mesmo no começo de nosso
relacionamento, eu não significava nada para ele.
Tânia sentiu um nó na garganta, que prenunciava novas lágrimas.
— Não se aflija desse jeito — aconselhou Leon.
— Não me afligir? — Ela soltou uma risada histérica. — Eu quero chorar
até a última gota! Durante estes dois dias tive que fingir o tempo todo,
e já não estava agüentando tanta hipocrisia. Tentei, com todas as
minhas forças, odiar Alex, mas não pude. Mesmo quando recebi aquele
maldito telex, continuei a amá-lo! Acredita nisso? Agora, ele se foi para
sempre, e eu não sei o que fazer. Sinto-me desnorteada.
— Ei! Vá devagar! Para começo de conversa, que telex é esse?
— Isso foi antes de Matty nascer. Estava havendo uma revolução num
país da América do Sul, e Alex precisou viajar porque o diretor da firma
tinha morrido num tiroteio. Ele teve que ir providenciar o enterro e
reorganizar a filial.
— Sim, eu me lembro disso... Chris Pendal. Foi uma tragédia! Mesmo
assim, continuo não entendendo.
— Antes de Alex partir, nós nos encontramos com bastante freqüência.
Ele me prometeu manter contato, mas nunca mais recebi qualquer
notícia, até que a secretária dele me entregou um telex que ele enviara
da América. Parecia até uma carta comercial, de tão fria. Mas o que
mais me doeu foi ele não ter tido a coragem de me dizer tudo aquilo
cara a cara.
Você está dizendo que Alex lhe enviou um telex da América do Sul? —
insistiu Leon, incrédulo.
— Justamente! Foi a pior coisa que. Tânia, há uma incoerência nisso
tudo que você está contando, era tecnicamente impossível ele lhe
mandar essa mensagem. Os olhos negros de Tânia perscrutaram a
fisionomia séria de Leon.
— Esses detalhes não têm a menor importância. Eu só sei que recebi o
telex que me dizia para cuidar da minha própria vida. Enfim, ele me
deu um tremendo fora!
— Alex fez isso? Como você recebeu esse telex? Através dos Correios?
— Não. Na verdade, a mensagem me foi entregue pela...
— Não continue, que eu vou adivinhar. — Leon cortou-lhe a palavra. —
Pela eficiente srta. Joanna Dominic?
— Sim, foi isso mesmo — confirmou ela, intrigada com a perspicácia do
amigo. — Mas eu ainda não entendi aonde você quer chegar. Que
diferença faz que a notícia tenha vindo através dela?
— Foi esse telex que a separou de Alex definitivamente, não foi?
— Sim, claro que sim.
— Então, deixe-me contar-lhe uma coisa. Naquela época, eu também
tinha interesses comerciais naquele país. Falei com Alex por telefone
na véspera do embarque dele, pois era provável que eu precisasse
viajar para lá. Como nenhum de nós dois conhecia a situação real, ele
prometeu entrar em contato comigo assim que se avistasse com o meu
representante local. Mas, depois disso, não tive mais notícias dele.
Mais tarde, descobri que os rebeldes tinham cortado todos os meios de
comunicação, deixando o país completamente isolado. Ninguém
conseguia enviar nem receber qualquer mensagem, nem por carta,
nem por telefone, e muito menos por telex. Cheguei a ouvir boatos de
que Alex morrera. Depois houve desmentidos e novas confirmações.
Enfim, ninguém sabia de nada.. Por isso afirmei que qualquer contato
teria sido impossível.
Tânia fitou-o, atônita.
— Mas... eu recebi a mensagem! Além disso, mandei-lhe uma carta
pelo malote da empresa, quando já tinha me cansado de tanto esperar
por uma iniciativa dele. Entreguei a carta em mãos a...
— Joanna Dominic. — Leon tornou a mencionar o nome da moça, com
uma nota de raiva na voz. — Pois saiba que a matriz não estava
enviando correspondência alguma. Alex sumira de circulação, assim
que colocara os pés na América do Sul. Durante quatro meses,
ninguém recebeu notícias dele, e a empresa chegou a ficar ameaçada
de colapso.
Trêmula, Tânia acendeu um cigarro, enquanto em sua mente as
palavras de Leon iam formando um quadro cheio de significados:
Joanna Dominic não tinha enviado aquela carta... e o telex..,
— Tem certeza de que o telex não poderia, em hipótese alguma, ter
sido enviado por Alex? — perguntou ela, chocada.
— Cem por cento de certeza — confirmou Leon, sem titubear. — Alex
foi atingido por um tiro quatro semanas após sua chegada. Passou três
meses internado num hospital militar e quase morreu. Mesmo que
houvesse qualquer possibilidade de se enviar um telex, ele se
encontrava tão mal que não teria condições de fazê-lo. Você precisa
acreditar em mim.
— Ele foi baleado? Oh, Deus! Baleado!
— Desconheço os detalhes. Só sei que mais tarde o puseram num
avião, de volta para a Inglaterra. Aqui, ele continuou internado num
hospital particular durante mais alguns meses. Isso, pelo menos, você
sabia, não?
— Nunca soube. Depois daquele telex, eu pensei... — Passou os dedos
nervosamente pelos cabelos ruivos, — Mas se ele não o mandou...
— Foi tudo invenção de Jeanna Dominic!
— Mas... por quê?
— Ela fez isso em desespero de causa. Sabia do risco de ser
desmascarada, mas achou que valia a pena. Afinal, você acabou
acreditando nela.
— Como alguém pode ter a coragem de fazer uma coisa dessas? Leon
segurou-lhe a mão e deu-lhe um tapinha no dorso, dizendo:
— Suponho que ela queria Alex para si. E o queria tanto, que se dispôs
a chegar a extremos para consegui-lo. Por certo, ela percebera o
envolvimento de vocês dois, principalmente depois da carta que você
escreveu. Uma ingênua e inexperiente garota de dezoito anos era urna
barbada para uma mulher vivida e inescrupulosa como ela.
— Mal posso acreditar em tamanha barbaridade! É a coisa mais
desprezível que já ouvi na vida!
— Pelo menos agora você conhece a verdade. Embora se mantivesse
calmo, em seu olhar transparecia toda a raiva
que ele sentia da secretária. Por fim, com um sorriso forçado, Leon
desabafou:
— Se eu pudesse, enforcava aquela vigarista! Tânia também sorriu,
sem graça, ainda trêmula pelo choque.
— E eu providenciaria a corda. — Deu uma palmadinha no braço dele e
completou: — Obrigada por ter me contado.
Ela fazia um esforço sobre-humano para manter a calma, mas sabia
que, tão logo se visse sozinha, desmoronaria.
— É inacreditável que você não soubesse de nada — comentou Leon,
depois de uma pausa.
— Todas as circunstâncias estavam contra mim: o telex, a gravidez
inesperada, e a certeza de que Alex não queria mais nada comigo.
Passei nove meses nas trevas. Acho que se o céu tivesse desabado
sobre a minha cabeça, eu nem teria notado.
— O desencontro fatal de dois apaixonados, hein?
— Não é bem assim. Tudo isso que você me contou não significa que
Alex me ame.
Realmente, o fato de não ter sido ele o autor do telex não o absolvia da
omissão de procurá-la depois de seu retorno à Inglaterra. Nem sequer
telefonar. Se a amasse de verdade, com certeza teria entrado em
contato com ela.
— Significa apenas que você não sabe de tudo — contestou Leon. —
Tenho a impressão de que ainda existe muita coisa para ser
esclarecida, não acha? Vamos, coragem!
— Você é maravilhoso, Leon! — exclamou, com um sorriso, beijando-o
na face. — Conseguiu me tirar um peso enorme das costas.
Apesar de mais aliviada, Tânia recusou o convite para ir almoçar fora
com ele, pois sentia necessidade de ficar sozinha e pôr as idéias em
ordem.
Depois da saída dele, voltou para a poltrona e entregou-se a mil e uma
reflexões. Vivera tanto tempo na crença de que fora Alex que lhe
enviara aquele maldito telex que agora tornava-se difícil assimilar a
revelação de Leon. A lembrança do sofrimento causado por aquelas
palavras fatais era ainda muito vivida.
Começou a rir subitamente, enquanto lágrimas lhe rolavam pelo rosto.
Pensou em Joanna Dominic, tentando sentir compaixão por ela, mas
conseguindo apenas odiá-la. Estaria a secretária na companhia de Alex
em Honolulu? Era mais do que provável. Tânia escondeu o rosto entre
as mãos e recomeçou a soluçar.
À tarde, saiu em busca de Louise, e encontrou-a lendo, à sombra de
um guarda-sol, no jardim. A velha senhora ergueu a vista do livro e
recebeu-a com um amável sorriso.
— Acabei de fazer um chá! — anunciou Tânia animadamente,
carregando uma bandeja.
— Que ótimo! — exclamou Louise, largando o livro sobre a mesa.
Enquanto se sentava ao lado dela, Tânia olhou-a repetidas vezes,
perguntando-se se aquela mulher, que conhecia Alex há anos, não
saberia alguma coisa sobre os trágicos acontecimentos na América do
Sul. Com tantas peças faltando para completar o quebra-cabeça, sua
mente fervia de curiosidade, mas ela não fazia idéia de como começar.
Sempre sentia um certo nervosismo diante daquela dama tão calma,
elegante e ponderada, que a fazia sentir-se infantil e mal-ajambrada.
Despejou o chá nas duas xícaras e ficou admirando a calça comprida
de corte impecável e a blusa cara, mas despretensiosa, de voil que
Louise vestia, comparando-as ao seu jeans desbotado e à camiseta
simples de malha. Suspirou alto, despertando-lhe curiosidade.
— O que foi, minha querida?
— Nada — respondeu Tânia, automaticamente, acrescentando logo em
seguida, antes que perdesse a coragem: — Mentira minha. Eu queria
perguntar-lhe algumas coisas sobre Alex.
— Pois sinta-se à vontade. — Os olhos de Louise estavam fixos em seu
rosto rubro, plácidos, porém curiosos.
Tânia respirou fundo, ainda sem saber por onde principiar.
— Naquela viagem que fez à América do Sul, ele... ele foi ferido...
baleado?
De repente seus lábios começaram a tremer, só de imaginá-lo atingido
pelo projétil que o marcara para sempre com aquela cicatriz abaixo do
ombro esquerdo.
— Sim, ele foi baleado. Que mais você quer saber? — Louise dava a
impressão de estar ressentida com alguma coisa.
— Tudo — resumiu Tânia.
— De antemão quero que me desculpe. Receio parecer uma velha
intrometida, porém...
Tânia abriu a boca para protestar, mas a velha senhora prosseguiu:
— Sou mais afeiçoada a Alex, e para mim ficou claro que algo não vai
bem entre vocês dois.
Tânia enrubesceu e baixou a cabeça, como se estivesse levando uma
repreensão da professora.
— O seu aparecimento causou-me enorme surpresa — continuou
Louise, com um sorriso educado e formal. — Quando Alex me
comunicou que ia se casar com você, confesso que fiquei apreensiva.
Sabe... desde criança, ele sempre teve uns ataques de heroísmo
romântico.
— Apreensiva? Mas a senhora nem me conhecia!
— Mesmo assim, eu sabia muita coisa a seu respeito. E quando Alex a
trouxe para cá, tive dúvida se nós duas poderíamos nos tornar boas
amigas.
— Não compreendo. Por favor, seja mais explícita. Alex disse alguma
coisa desabonadora a meu respeito?
— Ele é um cavalheiro, e nunca comentou nada sobre você. Da minha
parte, não tenho o direito de interferir. O problema é entre você e Alex.
— Mas por que essa prevenção contra mim?
Alguma coisa lhe dizia que Louise possuía a chave do grande mistério,
e ela precisava saber de toda a verdade.
— Muito simples! É que quando Alex estava à beira da morte,
chamando-a dia e noite, você se recusou a atendê-lo — declarou
Louise, aborrecida.
— Eu... o quê? — Tânia ficou boquiaberta por alguns segundos, e só
depois prosseguiu: — Você deve acreditar em mim. Só hoje pela
manhã descobri que Alex tinha sido ferido durante a viagem. — Fechou
os olhos e exclamou: — Acho que vou enlouquecer!
— Sinto muito, querida. Eu devia ter ficado de boca fechada.
— Não! Conte-me tudo, por favor! É importante para mim! Louise
hesitou, mas, ao vê-la tão desesperada, concordou.
— Pelo que sei, Alex ficou num fogo cruzado entre os rebeldes e as
forças do governo, sendo atingido no caminho entre o hotel e o edifício
da filial da empresa. Levaram-no às pressas para o hospital militar, que
funcionava sob as piores condições de higiene. Então o ferimento
infeccionou, provocando-lhe febre alta, e por pouco ele não perdeu o
braço.
Fez uma breve pausa, naturalmente entristecida com aquelas amargas
lembranças.
— Quando Alex chegou a Londres, passei semanas ao lado dele no
hospital, e ouvia-o mencionar e repetir seu nome, sem parar. Como
não sabia onde encontrá-la, pedi informações à srta. Dominic, que o
visitava com freqüência. Ela me disse que a conhecia, e prometeu
entrar em contato com você para lhe pedir que fosse urgentemente até
o hospital. Só que você nunca apareceu, e eu imaginei...
— Oh, meu Deus! Eu nunca soube disso! Nunca! —, A srta. Dominic
não falou com você?
— Não! Juro pelo que me é mais sagrado! Juro por Matty! Eu pensava
que Alex não queria me ver nunca mais! Se eu soubesse, é claro que
teria corrido.
Não conseguiu falar mais nada, caindo num choro convulsivo.
Pela primeira vez desde que a conhecera, Louise abraçou-a com
genuína amizade e compreensão. Aos poucos, Tânia foi se acalmando,
e, para tentar relaxar-se, tomou um longo gole de chá. Naquele
momento estava pensando na cicatriz de Alex. Ele a chamara nas
horas de agonia e sofrimento... Oh, Deus!
Aquela era uma revelação decisiva, mas, infelizmente, tardia.
— Eu não sabia de nada, Louise, nem sequer que ele tinha sido ferido
— repetiu, arrasada.
— A srta. Dominic tem muitas contas a ajustar comigo! Se eu ao menos
suspeitasse...
— Agora é tarde demais. Tudo pertence ao passado. Alex não voltará
jamais para o meu lado...
— Você o ama?
— Sim, mas sem qualquer esperança. Sabe, imaginei que Alex tivesse
me rejeitado. Mesmo depois que nos casamos, eu estava convencida
de que tudo tinha terminado.
— Ainda existe Matty. Ele ama muito o filho.
— Mas não me ama.
— Tem tanta certeza assim? Conhecendo Alex como eu o conheço,
posso afirmar que você está redondamente enganada. Sei que ele é
um homem introvertido e orgulhoso. Mas, naquele hospital, quando
todas as defesas desmoronaram, mostrou-se tal como é: humano e
sentimental. Só que agora teme se revelar, da mesma forma como
você tem medo de demonstrar o seu amor. Nenhum dos dois quer sair
machucado novamente.
— E a srta. Dominic? — perguntou Tânia, ainda em dúvida.
— Alex casou com você! Oh, eu sei que ela esteve ao lado dele nos
piores momentos. Pode até ser que os dois tenham mantido algum
relacionamento, mas só por desespero. Convença-se de que ele nunca
a amou.
— E o que devo fazer?
— Acho que você sabe muito bem. Posso lhe garantir que tomarei
conta de Matty como se fosse meu neto, enquanto você estiver
ausente do país.
— Mas eu nem sei onde Alex está hospedado!
— Não seja por isso — disse, entregando-lhe um papelzinho com um
endereço.
Tânia fitou-o com imensa gratidão.
— Você sabia de tudo?
— Isso não interessa! Reserve sua passagem de avião, e boa sorte! E
não permita que a srta. Dominic interfira desta vez!


CAPÍTULO XI
Tânia conseguiu marcar um vôo com escala em Los Angeles, o que lhe
deu a sensação de que levaria dias até chegar a Honolulu.
No aeroporto, alugou um carro e providenciou um mapa da região,
antes de ir para um hotel próximo a Waikiki, onde tomou um banho e
trocou de roupa. Estava com os nervos à flor da pele quando se sentou
na varanda do apartamento, bebericando um drinque.
Lá embaixo, espalhavam-se quilômetros e quilômetros de areia branca,
renques de palmeiras tropicais, e uma multidão de banhistas que se
deleitava sob um sol abrasador. Aquilo era o próprio paraíso terrestre!
Pena que Tânia não estivesse ali a passeio, como uma simples turista.
Não! Toda a sua vida dependia de ser bem-sucedida na tentativa de
salvar seu casamento com o homem que amava. O pior é que não se
sentia preparada para suportar uma derrota.
Tomou a bebida, olhando distraidamente para a imensidão do oceano.
Era importante ter chegado até aquele lugar, sem se deter para avaliar
o que estava fazendo, pois sabia que, se titubeasse, a coragem lhe
fugiria. Parecia-lhe que séculos se haviam passado desde a conversa
com Louise, e no entanto fazia apenas um dia.
Afastou uma mecha de cabelos do rosto. Gotículas de suor escorriamlhe
pela testa e, com a mão em pala, protegeu os olhos da forte
luminosidade. Cheia de dúvidas, não sabia ainda o que diria a Alex,
nem como lhe explicaria sua presença naquele lugar. Tampouco sabia
se ele ainda se importava com ela.
Na realidade, Tânia jogava a maior cartada de sua vida: ou o teria de
volta, ou sofreria sua rejeição definitiva. Entretanto, quando pensou na
segunda hipótese, uma vida inteira sem ele, convenceu-se de que
agira acertadamente. Só lhe restava uma coisa a fazer. Mordeu o lábio
com força e levantou-se.
Iria agora mesmo para a casa da praia, antes que a coragem lhe
sumisse. Entrou no quarto, pegou a bolsa e olhou-se demoradamente
no espelho, que refletia a imagem de uma moça alta e esbelta, de
cabelos lisos e ruivos caindo pelos Ombros, os olhos negros e uma
expressão pesarosa no rosto. O short muito curto que estava usando
acentuava-lhe as pernas bem-torneadas, e a blusa clara, sem mangas,
realçava-lhe a cor de fogo dos cabelos. Como ela gostaria de ser mais
sofisticada!
"Mas quem nasce para tostão nunca chega a milhão", pensou com
pessimismo, achando que talvez fosse melhor trocar de roupa,
vestindo algo mais discreto.
Nesse momento, porém, deu-se conta de que estava inventando
pretextos para adiar aquele encontro, e resolveu sair de uma vez em
direção à villa onde Alex se hospedava durante sua estada em
Honolulu.
Tânia tremia e as palmas de suas mãos suavam enquanto ela conduzia
o carro através de uma alameda ladeada de altas palmeiras, a caminho
da entrada da mansão suntuosa, de linhas modernas, obviamente
pertencente a algum milionário.
Era uma loucura ter vindo, uma verdadeira maluquice! Mas já não tinha
qualquer chance de retroceder. Assim, estacionou o carro, abriu a
porta e aspirou profundamente, antes de caminhar até a porta de
entrada.
Para aumentar ainda mais seu desespero, ninguém atendeu à porta,
apesar de ela ter tocado diversas vezes a campainha. Então, com os
nervos à flor da pele, resolveu circundar a casa, imaginando se não
haveria alguma outra porta onde ela pudesse bater, numa nova
tentativa de ser ouvida. Em caso negativo, esperaria ali mesmo até
Alex chegar.
Ao atingir a varanda dos fundos, ela parou de repente, vendo Alex
sentado na praia branca que se estendia até o mar, absorto na
contemplação das ondas.
Ele vestia um jeans desbotado, muito justo nas coxas musculosas, e
uma túnica azul sem mangas, que lhe deixava à mostra os braços
fortes. Solitário, parecia muito tenso e pensativo.
"Eu o amo", disse Tânia a si mesma, retomando a coragem e
encaminhando-se na direção dele, os passos abafados pela areia fofa.
Mas, como se um sexto sentido o alertasse, Alex virou-se para trás,
quando ela se encontrava a poucos metros, e seus olhos cinzentos
endureceram, adquirindo uma expressão desconfiada.
— Alô, Tânia — saudou-a com frieza, sem demonstrar surpresa nem
alegria.
As pernas de Tânia bambearam e seu coração disparou.
— Eu.... eu... — gaguejou, desviando o olhar.
O que deveria dizer? Eu o amo? Oh, era impossível fazer uma
declaração dessas para um homem que se mostrava indiferente
daquele jeito! Mordeu o lábio, apreensiva, examinando-lhe o rosto
impassível.
— Por que você veio? — perguntou ele, fixando o olhar em suas pernas
expostas.
— Alex, eu... eu não sei o que dizer...
— Quer tomar um drinque? — Sua voz era tão inexpressiva quanto sua
fisionomia.
Ela aceitou, com um gesto de cabeça, e caminhou a seu lado até a
varanda da casa, entrando a seguir num amplo living com piso de
mármore e móveis de junco.
— O que você prefere?
— Um pouco de gim com suco de laranja e gelo.
Enquanto ele preparava a bebida, Tânia olhou em torno do amplo e
luxuoso salão, sem nada ver, concentrada nos gestos firmes com que
Alex misturava os ingredientes do drinque.
Quando ele lhe estendeu o copo e suas mãos se tocaram
acidentalmente, ela quase derramou a bebida. No entanto, Alex
limitou-se a observar seu evidente nervosismo, sem abrir a boca.
Depois de tomar um longo gole, ele a encarou e voltou a insistir:
— Por que você veio a Honolulu?
— Louise... Louise me contou que você chamou por mim quando
esteve internado no hospital.
— Ela lhe contou? Problema dela!
— Mas... mas é verdade?
— Eu estava delirando, meu amor. Como posso saber a quem chamei
ou deixei de chamar?
— Você deve saber! Você sabe! — disse Tânia, com raiva. — Isso é tão
importante?
— Eu gostaria de ter certeza. — Seus dedos tamborilavam
nervosamente no cristal do copo.
— Pois bem, eu a chamei. Foi só para ouvir isso que você deu a volta
ao mundo?
O evidente sarcasmo que havia na voz e no olhar dele deixou-a muito
ressentida. Dando-lhe as costas, ela caminhou cabisbaixa até as
vidraças abertas.
— Que diabo você esperava que eu dissesse? — perguntou ele,
bruscamente. — Que tive vontade de esganá-la quando você não
apareceu no hospital? Pelo amor de Deus, Tânia! Esse caso está
encerrado. Não podemos viver juntos nos agredindo o tempo todo. Não
quero que Matty cresça numa atmosfera de desavença. Ele iria sofrer
muito pelos nossos erros. Não há mais solução.
Suas palavras duras feriam-na como chicotes, e fizeram-na
compreender, de uma vez por todas, que aquela longa viagem fora
inútil. Não adiantava insistir mais. Definitivamente, Alex não a queria.
Sem olhar para trás, e com uma dor profunda no peito, Tânia deixou o
living, através de um longo corredor, até encontrar a saída principal.
Nesse exato momento, a porta se abriu sem que ela pusesse a mão na
maçaneta, e a figura inconfundível de Joanna Dominic apareceu.
Tânia fitou-a, abobalhada. Sim, porque fora uma tolice imperdoável ter
procurado Alex. Por acaso havia se esquecido do caso dele com a
secretária?
— Já de saída? — perguntou Joanna, com um sorrisinho irônico. Foi a
gota d'água para Tânia. Sua dolorosa desilusão transformou-se
em fúria e num ciúme doentio contra aquela odiosa mulher. Joanna
estava elegantemente vestida com um sarongue de seda estampada.
Seus cabelos negros reluziam e sua pele mostrava um bronzeado de
causar inveja.
"Ela tem tudo o que eu não tenho", pensou Tânia, amargurada. "Foi
essa sujeitinha que destruiu minha única chance de felicidade. Com
suas maquinações desprezíveis, conseguiu o que queria. Venceu! E é
óbvio que ela está morando nesta casa junto com Alex!"
— Na verdade, eu queria ter uma palavrinha com a senhorita —disse
Tânia, retribuindo a ironia.
Podia ter perdido Alex para sempre, más Joanna não sairia dessa ilesa!
— Tudo bem — replicou a secretária. — Mas você tem que ser rápida,
queridinha, pois não tenho tempo a perder.
— Nem eu! Quero apenas que responda a algumas perguntinhas. Antes
de mais nada, sei que Alex chamou por mim enquanto permanecia no
hospital. Pelo que me consta, você ficou encarregada de me localizar,
não foi? Pois muito bem. Como você vai explicar a ele o seu descaso?
Sabia que estava blefando, pois Alex estaria pouco se; incomodando
com isso. Tudo o que ela queria era uma revanche com aquela
mentirosa.
Joanna Dominic ficou rubra.
— Escute aqui...
— Você é que vai me.ouvir! A outra pergunta se refere àquele falso
telex que você me entregou como sendo de Alex. "Más notícias,
queridinha?" Lembro-me bem do seu comentário cínico! E também
não esqueço que você me preveniu para não tentar entrar em contato
com ele! Foi um abuso imperdoável, não acha, queridinha?
Fervendo de raiva, Tânia admirou-se de poder aparentar tanta calma. E
o que a incitava a continuar com aquele desafio era ver que Joanna
deixava cair a máscara de superioridade, mostrando a imagem de uma
mulher desesperada para conseguir o amor de um homem que
evidentemente não lhe dera a mínima atenção. Caso contrário ela não
teria chegado a extremos tão condenáveis.
Somente agora Tânia se dava conta disso. Afinal, Joanna não vencera a
última batalha, na medida em que não conseguia conquistar o amor de
Alex, algo bastante evidente em seu olhar transtornado.
— Alex não correspondeu aos seus sentimentos, não é mesmo? —
perguntou, quase solidária com sua pior inimiga.
Como fora cega!
A boca de Joanna Dominic contraiu-se e, perdendo o controle, ela deu
vazão a todo o seu ódio recalcado. Ergueu a mão de unhas pintadas,
pronta para a agressão física, deixando Tânia petrificada diante do
horror da cena.
Nesse instante, um grito de Alex foi o banho de água fria que susteve
no ar a mão ameaçadora de Joanna. Ao vê-lo chegar ao hall de entrada,
com os olhos brilhantes de raiva, Tânia teve certeza de que ele ouvira
cada palavra daquele deprimente diálogo.
— Espere por mim, eu volto já — disse ele, com voz tão terna que
Tânia não titubeou.
— Sim, eu espero.
Alex sorriu e acariciou-lhe as faces pálidas. Pouco depois, saiu junto
com Joanna.
Voltando ao living, Tânia postou-se diante da janela e ficou
contemplando o mar. Ainda ressoava em seus ouvidos a voz fria e
autoritária de Alex. Ele nunca perdoaria a atitude de Joanna. Nunca! A
coitada perdera para sempre o homem que tanto amava, e por quem
cometera todas aquelas loucuras. Tânia chegou a sentir pena dela.
Acendeu um cigarro e tragou fundo. Ultimamente, andava fumando
demais, reconheceu. Mas isso se devia ao seu estado de nervos.
Por que Alex lhe pedira para esperar? Afinal, estava tudo terminado
entre os dois, como ele próprio afirmara. O que ainda teriam para dizer
um ao outro? Tânia não suportaria ser mais ferida do que já estava.
Num impulso, saiu da casa, com a intenção de voltar ao hotel, acertar
as contas e tomar o primeiro vôo para a Inglaterra. No dia seguinte
estaria em sua casa. Sua casa? Aquela casa era de Alex!
Apressadamente, dirigiu-se para o carro alugado, mas Alex a alcançou
antes que ela abrisse a porta.
— O que aconteceu, Tânia? Você não disse que me esperaria?
— Mas decidi o contrário. Vou voltar para o hotel.
— Você não vai a lugar algum! — disse ele, segurando-a pelo braço.
— Está me machucando!
— Você merece umas boas palmadas! Tânia franziu a testa, atônita.
— Por quê?
— Adivinhe.
— Não entendo...
— Meu Deus, você nunca entende nada!
Sem que ela se desse conta, Alex a conduzira até a praia. Ambos
ficaram parados, à beira-mar, encarando-se em desafio. Alex ainda a
segurava firme pelo braço, e ela só esperava uma chance para
escapulir.
— Agora eu já conheço a história toda, mas ainda insisto: por que você
veio, Tânia?
— O que você quer que eu diga? Que desejava vê-lo? Que queria
esclarecê-lo sobre a falsidade do telex? O que você quer de mim, Alex?
— Você sabe muito bem o que eu quero.
— Eu sei. Você quer Matty!
— Eu quero você! Sempre a quis, desde o dia em que entrei no
escritório de Mark Fitzgerald e a vi sentada à mesa de trabalho!
— Não acredito.
— Oh, sim, Tânia. Eu me apaixonei por você desde aquele primeiro
encontro. Você era tão linda, tão inocente, tão jovem... Naquela noite
em que fui até seu apartamento, eu não planejava fazer amor com
você. Simplesmente aconteceu! O que eu pretendia mesmo era pedi-la
em casamento. Só que não queria levá-la comigo para a América do
Sul. Sabia que lá você correria riscos enormes. Não teria sido justo!
Tânia percebeu que Alex estava sendo sincero, e exultou de alegria,
enquanto ele continuava a se explicar.
— Não me lembro muito bem do que aconteceu durante o tempo em
que estive no hospital. Mas só Deus sabe o quanto desejei tê-la perto
de mim, E tão logo tive alta, procurei localizá-la por toda parte. Fui até
seu apartamento, mas você tinha desaparecido sem deixar vestígio.
— Eu não sabia que você tinha sido ferido. Além disso, Joanna
procurou-me no escritório de Mark e entregou-me um telex onde você
declarava que estava tudo acabado entre nós. Era lógico que eu
acreditasse. Naquela altura, já estava grávida. E sua secretária ainda
me disse que vocês eram amantes. Mesmo assim, voltei ao seu
escritório depois do nascimento de Matty, e vi, com meus próprios
olhos, vocês dois abraçados. Foi a prova decisiva. Então consegui um
emprego na França e viajei, disposta a não voltar mais à Inglaterra.
— Aquela bruxa! Merecia que eu lhe torcesse o pescoço! Nunca houve
nada entre nós, juro que não! Para mim, Joanna não passava de uma
secretária eficiente. Quando ela me visitou no hospital, fiquei grato e
cheguei a beijá-la, mas apenas por gratidão. Nada mais do que isso.
— E para onde ela foi?
— Neste momento, já deve estar longe. Eu disse a ela que tomasse o
primeiro avião e nunca mais me aparecesse na frente. Alex acaricioulhe
o rosto ternamente, enquanto dizia:
— Quando vi você naquele restaurante, meu amor, minhas esperanças
renasceram. Foi então que descobri que você estava trabalhando para
Leon. Forcei um convite para jantar na casa dele, com o pretexto de
tratar de negócios, mas aquela noite foi um verdadeiro inferno para
mim. Ao saber que você tinha um filho, fiquei louco de ciúme,
pensando que o pai dá criança fosse outro homem. E você não imagina
minha alegria quando soube que Matty era meu. Tânia, eu amo você!
— acrescentou, beijando-a na testa com infinita ternura. — Naquela
altura dos acontecimentos, fiquei desesperado. Praticamente, obrigueia
a se.casar comigo. Na verdade, não sabia o que estava fazendo, só
não queria perdê-la de novo. Acreditava que depois de casados eu
poderia, aos poucos, reconquistar o seu amor. Mas meus planos não
funcionaram. Eu não conseguia controlar-me e a pressionei o tempo
todo, desejando-a e fazendo-a sofrer. Você me odiou por causa disso, e
demonstrou claramente que queria se ver livre de mim.
Respirou fundo, e em seguida continuou:
— Depois daquela última discussão, passei a noite inteira a esmo,
meditando. Quando voltei para casa e a encontrei dormindo, com ar
abatido, compreendi que tinha chegado a hora de enfrentar a
realidade. Por isso, vim para cá. Se eu tivesse ficado, não deixaria de
tentar possuí-la, ainda que fosse à força.
A dor que aquela revelação causava em Alex estampava-se claramente
em seus olhos cinzentos.
— Nem pude acreditar quando a vi na praia. Naquele momento, eu
estava justamente pensando em você, e quando me virei você estava
ali, na minha frente, em carne e osso.
— Oh, Alex... — sussurrou ela, afagando-lhe o rosto. — Eu pensei que
você só se casara comigo por causa de Matty. E também tive medo de
ser magoada novamente se demonstrasse o que sinto por você.
— E o que você sente por mim? — perguntou ele, muito tenso.
— Um amor tão grande que morrerei se você me abandonar de novo.
Suas últimas palavras foram abafadas por um beijo apaixonado que
anulou todas as tensões, fazendo apenas prevalecer o desejo
incontrolável de se entregarem um ao outro.
— Vamos fazer amor, meu querido. Eu o quero demais!
Por um instante, Alex fitou-a com um olhar apaixonado, e depois
suspendeu-a nos braços, atravessou a casa e levou-a até o quarto,
depositando-a sobre a cama.
— Você é tão querida, tão linda, meu amor... — sussurrou, enquanto
lhe tirava a blusa. — Tem certeza, Tânia, de que é isso mesmo que
você quer? Desta vez não haverá retorno.
— É o que eu mais desejo na vida! — afirmou ela, sorrindo. Um novo e
ainda mais ardente beijo selou aquela declaração. Valera a pena ter
esperado tanto...


Fim

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